sábado, 2 de junho de 2012

214- Novas evidências de que o TDAH pode aumentar a criatividade.



As dificuldades associadas ao TDAH são extensivamente documentadas. De fato, esses estudos representam uma parte substancial da pesquisa publicada sobre o TDAH. Este tipo de trabalho ajuda a aumentar a consciência sobre as dificuldades sofridas por muitos indivíduos com TDAH e evidencia a importância de receber o tratamento correto.

O que foi perdido – ou ao menos ignorado – na maioria das pesquisas sobre o TDAH é a possibilidade de que o TDAH possa também trazer alguns benefícios. Certamente, muitos indivíduos com TDAH tentam progredir e não é incomum ouvir indivíduos discutindo como o TDAH os tem beneficiado. Eu, com certeza, me lembro de vários dos meus clientes contando que “ficar perdido em seus pensamentos”, ter ideias diferentes girando em sua mente quando era esperado que estivessem prestando atenção em uma coisa, e ter sua atenção facilmente dirigida para coisas em sua volta contribuiu para sua criação de muitas ideias interessantes e para juntar as coisas de maneiras interessantes.

Há alguma evidência de que o TDAH pode realmente predispor o indivíduo a se tornar mais criativo? Russel Barkley, um dos mais importantes pesquisadores e especialistas em TDAH, argumentou contra a noção de que o TDAH confere benefícios assim como problemas, dizendo em recente artigo no New York Times que “Não há nenhuma evidência de que o TDAH seja uma ´benção´ ou que traga quaisquer vantagens além das que outras pessoas da população em geral possam ter. As pessoas com TDAH são indivíduos, como qualquer outro, e podem ter sido abençoadas com talentos particulares que estejam em nível mais alto do que o visto em outras pessoas. Mas esses talentos não têm nada a ver com ter TDAH – eles os teriam de qualquer modo.” Entretanto, um estudo publicado no último ano na revista Personality and Individual Differences [White & Shah (2011), Creative style and achievement in adults with Attention-deficit/hyperactivity Disorder. Personality and individual Differences, 50, 673-677.] sugere que isto não é necessariamente verdadeiro e que pessoas com TDAH podem realmente produzir mais trabalho criativo.

Os participantes foram 60 estudantes de faculdade, 30 dos quais tinham sido diagnosticados com TDAH e 30 estudantes para comparação. Tanto homens quanto mulheres estavam representados e sua criatividade foi avaliada por 3 modos diferentes.

Em primeiro lugar, os participantes fizeram o Creativity Achievemente Questionnaire (CAQ), um teste em que os indivíduos relatam sua capacidade criativa em 10 domínios: drama, humor, música, artes visuais, escrita criativa, invenção, descoberta científica, artes culinárias, dança e arquitetura. Um exemplo de um item do CAQ seria “Meu trabalho ganhou um premio no show de arte”. Assim, a avaliação fornece um indicador da verdadeira realização criativa. As notas são obtidas para cada domínio e para o desempenho geral. A pesquisa indica que esta medida fornece uma avaliação confiável e verdadeira das realizações criativas.

Os estudantes também fizeram o FourSight Thinking Profile, uma auto-avaliação do estilo preferido de cada um quando lida com a resolução de problemas no mundo real. Quatro estilos de resolução de problemas foram identificados: 1. Os esclarecedores – os que têm preferência por definir e estruturar o problema a ser resolvido; 2. Os idealizadores – os que preferem criar ideias para a solução do problema em causa; 3. Os desenvolvedores – os que preferem elaborar ou refinar as ideias que foram inicialmente sugeridas; e, 4. Os implementadores – Os que preferem por em ação uma ideia refinada.

Claramente, todos esses aspectos são importantes para a solução criativa de problemas e um estilo não é inerentemente melhor ou pior do que qualquer um dos outros. Os escritores previsivelmente mostrariam maior preferência para serem geradores de ideias, isto é, do tipo idealizadores, enquanto os estudantes mostrariam maior preferências pelos estilos Esclarecedor e Desenvolvedor.

Finalmente, os participantes fizeram o Abbreviated Torrance Test for Adults (ATTA); esta é uma medida padronizada e amplamente utilizada do pensamento criativo divergente. O pensamento divergente ocorre quando geramos muitas ideias possíveis de como resolver um problema particular. Quando nos engajamos no pensamento divergente, múltiplas abordagens para a resolução de um problema são identificadas rapidamente; no processo, conexões inesperadas e criativas entre ideias diferentes podem surgir.

As tarefas no ATTA cuidam das habilidades criativas verbais e não verbais. A seção Verbal examina a habilidade de cada um pensar criativamente com palavras, enquanto os testes Não Verbais avaliam a habilidade individual de pensar criativamente com figuras. Exemplos de tarefas verbais incluem fazer sugestões para melhorar um brinquedo e pensar em quantos usos diferentes podem ser possíveis para um item comum, por exemplo, um tijolo. Exemplos de tarefas de criatividade não verbal incluem a construção de um retrato ou uma figura, por exemplo, os participantes usam formas básicas para criar uma figura e para terminar uma figura já começada, por exemplo, terminar e dar nome a desenhos incompletos.

Resultados

Atividades criativas do mundo real – Estudantes com TDAH tiveram notas significativamente maiores no Creative Achievement Questionnaire do que os estudantes do grupo controle. Além disso, sua nota média era mais alta para cada um dos 10 domínios. Assim, não foi só nos domínios menos acadêmicos, como música e artes visuais, que os estudantes com TDAH tiveram atividades mais criativas, mas também em ciência, redação e arquitetura.

Um aspecto interessante desses achados foi o de que a faixa de notas era muito maior entre os estudantes com TDAH, assim como a quantidade de variação. Assim, não parece de a realização criativa tenha sido uniformemente mais alta entre estes estudantes; em vez disso, a média geral mais elevada parece refletir níveis muito altos de realização criativa por um subgrupo desses estudantes. FourSight Thinking Profile – Como foi dito acima, esta não é uma medida direta da capacidade criativa per se, mas, em vez disso, reflete o estilo de resolução de problemas preferido pelo indivíduo. Com previsto, os estudantes com TDAH mostraram preferência pelo estilo idealizador, isto é, eles preferiam gerar múltiplas ideias, enquanto outros estudantes preferiam os estilos esclarecedor e desenvolvedor.

Abbreviated Torrance Test for Adultos – Neste teste validado de pensamento criativo, os estudantes com TDAH não tiraram notas mais altas que os colegas em geral. Entretanto, como previsto, eles tiveram notas significativamente mais altas em tarefas que mediam a originalidade verbal.

Efeitos dos medicamentos – Metade dos estudantes com TDAH estavam sendo tratados com medicamentos e metade não. Nenhuma diferença entre esses grupos foi achada em qualquer dessas avaliações de criatividade. Como os autores notam, entretanto, sua habilidade de detectar qualquer diferença foi limitada pela pequena amostra.

Resumo e Implicações

Os resultados deste estudo interessante apoia a noção de que o TDAH esteja associado com aumento da criatividade em adultos jovens. Um aspecto importante deste estudo é que ele empregou medidas múltiplas da criatividade – realizações criativas do mundo real, estilos preferidos de solução de problemas e desempenho com medida baseada em provas da criatividade verbal. Como dito acima, estudantes com TDAH superaram seus pares nas realizações criativas do mundo real e nas medidas de avaliação da criatividade verbal. Eles também mostraram uma preferência para serem geradores de ideias em oposição aos clarificadores ou esclarecedores das ideias já existentes.

Por que o TDAH poderia estar ligado ao desempenho criativo? Uma possibilidade sugerida pelos autores – e que é consistente com o trabalho teórico recente sobre a natureza do TDAH – é que os indivíduos com TDAH são caracterizados por um controle inibidor mais fraco. Os déficits de inibição fazem mais difícil a manutenção do foco em um único pensamento ou ideia e a eliminação dos estímulos externos; isto pode resultar em ter mais pensamentos ao acaso e ideias, e  gastar mais tempo com pensamentos múltiplos e ideias fornece aumento da oportunidade de fazer conexões interessantes. Em teoria, isto pode contribuir para o desenvolvimento de pensamento menos convencional e para aumentar as habilidades de pensamento divergente. Também é possível que a natureza da atividade criativa seja um complemento melhor para as pessoas com TDAH do que as atividades em que o sucesso depende de ficar rigidamente ligado a um plano ou a um trabalho para encontrar a solução correta. Como resultado, elas podem gastar mais tempo em devaneios criativos e, assim, se dar bem.

A preferência que os indivíduos com TDAH mostram pelo estilo idealizador pode ser importante em relação ao tipo de ambiente de trabalho em que eles provavelmente se dão bem. Especificamente, este estilo sugere que eles podem ser especialmente bem equipados para atividades e carreiras comerciais que premiam as habilidades de pensamento divergente. Naturalmente, outros tipos de habilidades de pensamento são também importantes porque mesmo o mais criativo e motivado comerciante será menos destinado ao sucesso se ele for incapaz de conduzir os planos de maneira disciplinada e consistente.

Outra maneira desses achados serem aplicados é a de mostrar às crianças os benefícios potenciais que o TDAH pode conferir em termos de pensamento criativo e de realizações criativas. Isto pode eliminar a noção de ter um déficit ou transtorno e contribuir para o desenvolvimento de talentos que acentuem a autoestima.

Enquanto os achados deste estudo sugerem que a criatividade aumentada pode ser um benefício real associado ao TDAH, a replicação desses achados com um amostra maior, com crianças e adolescentes, seria um importante próximo passo. Também é importante não perder de vista as dificuldades muito reais que estão associadas ao TDAH e a reconhecer que para muitos, esta é uma condição muito prejudicial, para a qual o tratamento contínuo é necessário.

Dito isto, é uma bela mudança que surge a partir de um estudo bem conduzido e que abriga uma mensagem esperançosa e otimista baseada no que parecem ser achados sólidos.
Personality and Individual Differences [White & Shah (2011), Creative style and achievement in adults with Attention-deficit/hyperactivity Disorder. Personality and individual Differences, 50, 673-677.]

David Rabiner, Ph.D.
Associate Research Professor
Dept. of Psychology & Neuroscience
Duke University
Durham, NC 27708

4 comentários:

  1. Sou Tdah tomo o remedio a 9 anos a Ritalina LA, sempre fui criativa porem nao terminava nada que criava, agora tratada istp esta sendo possivel, estou passando pela pre menopausa esta dificil os profissionais precisam se integrar sei que somos iguais p porem com sintomas bem mais exagerados gostaria de saber o que vai mudar nesta fase ai sei o que e normal e evitar ser medicada sem precisar.

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    1. Não há como saber o que vai acontecer nesta fase. Cada pessoa tem as suas manifestações. O TDAH é neurobiológico. Dura a vida toda. O climatério é uma fase em que 30% das mulheres sentem muitos problemas, 30% sentem quase nada e 30% nem percebem que isso existe. Quanto a ser medicada "sem necessidade", depende de quem está lhe tratando. É médico? Tem bons conhecimentos sobre o TDAH? Tem bom senso? Tem humildade para reconhecer que não entende do assunto e lhe encaminhar para quem entenda?

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  2. Eu sempre me fazia uma pergunta em relacão ao TDAH. Se é um transtorno maléfico que afeta uma grande fatia de 5% da populacao mundial, como a evolucão deixou passar desapercebido os genes do TDAH? Apos algumas pesquisas correlacionando evolucao genes do TDAH, descobri que o TDAH foi muito benéfico ao homem pré-histórico, principalmente no que se refere a imigracão de populacaoes. Pois pessoas com caracteristicas de TDAH se mostram mais "ligadas" no tudo, são mais curiosas e inquietas e isso desperta a necessidade de conhecer novos ambientes de se movimentar e de se sociabilizar. Nesses mesmos artigos que li, relatava que em populacoes nomades a incidencia do TDAH é de 25% em seus individuos. Ou seja ,talvez o TDAH explique o porquê o homem se espalhaou pelo mundo! Mas, pq o TDAH é visto como algo tão ruim, e os médicos o chamam de transtorno , certo? Infelizmente, o modo como as pessoas vivem atualmente é preciso que se tenha uma vida que exija bastante concentracão, estudo e trabalho, para tanto voce precisa absorver e processar informacöes não muito interessantes e necessariamente você nao pode ser inquieto para conseguir sentar numa cadeira e se concentrar, estudar ou trabalhar em algo que näo desperta seu interesse. Um prato cheio para taxar quem tem TDAH de doente. Pois quem não é capaz de sentar e estudar e chamado de burro de deficiente. O que uma grande inverdade, pois que tem TDAH não tem deficit nenhum no que se refere a cognicão, inteligencia, aprendizado. Em suma, TDAH é nada mais é que um traco de personalidade e não um trasntorno. E se vc ou seu filho tem TDAH, não tente forca-lo a se moldar nos moldes atuais de estilo de vida. Explore e adapte as suas qualidades ou a do seu filho que tem TDAH para trabalhar e estudar no que desperta seu interesse que com certeza terá sucesso.

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    1. Minha cara, infelizmente o TDAH não vem sozinho. Em 70% dos casos há comorbidades. E pode haver, sim, dificuldades de aprendizagem, deficiência intelectual, problemas de cognição etc. A população TDAH é muito heterogênea. Não se pode julgar apenas pelos que são bem sucedidos. A maioria não é. Uma grande falha desse artigo objeto da postagem 214 é que ele foi feito com APENAS 30 universitários com TDAH, comparados com 30 universitários sem patologia. Ora, as estatísticas mostram que menos de 30% dos que têm TDAH conseguem entrar para a faculdade. Então, esses 30 universitários com TDAH, objetos desses testes, não podem representar a população TDAH. São apenas uma pequena parte dos que tiveram mais sorte. O Dr Russel Barkley continua, a meu ver, com a razão. Ter TDAH não é nenhuma benção. E a neurociência mostra, cada vez mais precisamente, que é um transtorno da organização das vias neurais dos lobos frontais e de seus neurotransmissores. Mas, ainda assim, continuemos na luta e sejamos felizes. Obrigado pelo comentário. Dr. Menegucci.

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