Um jornalista costuma dizer que o "futebol é a coisa mais importante dentre as menos importantes". Parece-me uma boa definição... Essa importância paradoxal, no entanto, atinge cada vez mais as áreas verdadeiramente "importantes" da vida. O caso mais recente, e cansativamente comentado, refere-se ao jogador santista Neymar, seu ex-técnico Dorival Júnior e o Santos Futebol Clube. Temos, portanto, dois funcionários, hierarquicamente distintos, e uma instituição quase centenária. Os fatos todos conhecem: desrespeito do jogador, punição do técnico, não aceitação da instituição, demissão do técnico, "vida normal" ao jogador. As discussões sobre esse caso se desdobraram em interessantes questões. Talvez a mais importante delas esteja na ideia de que faltou disciplina ao jogador. E aqui está uma palavra que nos últimos tempos está sendo carregada de sentidos pejorativos e perigosos.
Disciplina pode ser entendida como obediência, como respeito (moral) e até mesmo como "força de vontade". Nos dois primeiros significados (pois o terceiro é pouco usado), a disciplina passou a ser negativa: ela tolhe a criatividade, a liberdade, o vínculo afetivo, a jovialidade (já que pais e filhos não cumprem mais seus papéis sociais,mas são meros amigos que moram juntos, e que possuem "quase" a mesma idade - moral, comportamental, consumidora). Por que obedecer? O que respeitar? Neymar é mais talentoso que Dorival; Neymar ganha mais e gera mais lucros ao clube que lhe paga; Neymar é ídolo, Dorival não. Neymar sofreu o pênalti... é justo que ele queira bater; por que ele tem que obedecer seu treinador?
É isso que aconteceu com a disciplina. De virtude, tornou-se vício, repressor e opositor ao talento. E é isso também que ocorre diariamente nas salas de aula. Os alunos não precisam obedecer... eles são mais importantes que os professores, eles geram lucros para as instituições educativas, eles, se infelizmente não forem professores, ganharão mais que seus mestres. Eles serão Neymar! E o que será feito?
A escola precisa recordar seu papel primordial de, na ausência da instituição família, por exemplo, educar moralmente seus alunos. Uma pessoa alfabetizada moralmente aplica princípios, pois não há regras para todas as situações. O princípio não diz o que fazer, mas inspira uma conduta. O princípio do dia é a disciplina. A mesma que faltou a Neymar, que não obedeceu e respeitou seu treinador; a mesma que faltou a Dorival, que não ensinou a disciplina a seus atletas em inúmeras situações anteriores; a mesma que também faltou à instituição Santos F.C., que refugou à hipótese de disciplinar seu jogador mais importante.
O futebol precisa de talento e de disciplina. A educação também!
Prof. João Marcello Almeida
Historiador e Pedagogo, Professor do Colégio São Luiz/SP
Publicado em http://www.aprendercrianca.com.br/
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