quarta-feira, 7 de fevereiro de 2018

Maconha e tratamento do Autismo. Há ciência por trás disso? (444)

AUTISMO E TRATAMENTO COM MACONHA.
Há ciência por trás disso?
Por Kelley L. Harrison, MA, BCBA, LBA-KS; Thomas Zane, PhD, BCBA-D
Departamento de Ciência Aplicada do Comportamento, Universidade de Kansas.
Nos últimos anos, houve um aumento do número de Estados que aprovaram leis que tornam legal o uso da maconha, tanto para fins medicinais quanto recreacionais. Coincidindo com essa tendência é o crescente número de relatos que sugerem que essa droga pode ser usada para tratar os sintomas do TEA – Transtorno do Espectro Autista, e outros problemas do desenvolvimento. Entretanto, não há nenhum estudo controlado que avalie os efeitos da maconha no TEA. Atualmente, o governo federal classifica a maconha e seus produtos derivados como droga “CLASSE I”, significando que não há nenhum reconhecimento formal de seu uso médico, e que há um alto potencial para o abuso (Academia Americana de Neurologia, 2017).
Estatísticas recentes mostram que a maconha é a segunda substância mais popular entre os adolescentes, depois do álcool. Uma crença popular é que a maconha seja relativamente inofensiva. Os usuários da maconha relatam euforia, aumento das interações sociais, aumento do apetite, aumento da insensibilidade à dor e ao desconforto, e aumento do relaxamento. Infelizmente, os pesquisadores identificaram vários efeitos adversos do uso da maconha, especialmente quando usada por adolescentes. Por exemplo, os adolescentes são mais susceptíveis à adicção. De fato, um em seis adolescentes que usam maconha se tornará viciado. A maconha também tem efeitos no desenvolvimento cerebral de qualquer um antes dos 21 anos, e está correlacionada a um QI mais baixo, a maior abandono da escola, a diminuição da satisfação e das conquistas, e ao aumento do risco de desenvolvimento de doenças mentais (esquizofrenia). Além disso, Ellison (2009) relatou que o tetraidrocanabinol (THC), o ingrediente ativo da cannabis, interfere com a memória, a concentração e a atenção, que são os principais indicadores para o diagnóstico do Transtorno de Deficit de Atenção e Hiperatividade (TDAH).
Composição da maconha e a lei atual.
A maconha é derivada da cannabis sativa, planta que contém mais de 60 compostos chamados canabinoides. O efeito euforizante associado ao uso da maconha é ativado pelo THC, que é considerado a maior substância psicoativa (Academia Americana de Neurologia, 2017). Outros compostos na maconha não têm uma influência psicoativa similar. A maconha pode ser fumada, ingerida e vaporizada como os e-cigarettes. Óleo de haxixe, que é uma forma altamente concentrada de maconha, contém concentração muito alta de canabinoides, e é de uso ilegal no presente.
Conforme o governo federal relaxa as leis relacionadas à legalidade da maconha, mais Estados têm autorizado o seu uso medicinal ou recreativo. Inicialmente, as leis permitiam que somente os adultos recebessem a droga. Entretanto, mais recentemente a FDA (United States Food and Drug Administration) aprovou canabinoides sintéticos derivados do THC para uso em crianças como estimulante do apetite, enquanto recebessem quimioterapia. Entretanto, é importante notar que essas versões sintéticas da droga não possuem propriedades psicoativas, e, por isso, acredita-se que sejam mais segurar para serem usadas.
Qual a ligação racional entre maconha e TEA?
Há algumas pesquisas publicadas que sugerem que a maconha pode aliviar a espasticidade e a dor generalizada em adultos, e alguns médicos estão começando a recomendar a maconha para crianças com problemas outros que não físicos (por exemplo, síndrome de Tourette, epilepsia, distonia, convulsões. Relatos isolados sugerem que a maconha pode aumentar a sociabilidade, intensificar a percepção, dar uma sensação de alentecimento do tempo, diminuir a agressividade e aumentar o apetite. Assim, em princípio, a maconha parece ser apropriada para uma série de comportamentos tipicamente associados a indivíduos com TEA (por exemplo: diminuição do apetite graves problemas de comportamento, incluindo agressão a outros ou a si mesmo, carência de habilidades sociais, incapacidade de manter a atenção. Autism Support Network, 2016).
Adicionalmente, os que propõem o uso da maconha argumentam que ela seja mais segura e que tenha menos efeitos colaterais que as outras medicações para controle de comportamento. Por exemplo, a Ritalina, medicação comumente receitada para o TDAH, que está associada a aumento dos tiques faciais, inibição do crescimento, depressão e insônia.
Qual a evidência científica do uso da maconha no Autismo?
Correntemente, existem somente depoimentos testemunhais que apoiam o uso da maconha para tratar o Autismo. Por exemplo, há grupos que advogam seu uso, tais como: “Mothers for Medical Marijuana Treatment for Autism”, “Mothers Advocating Medical Marijuana for Autism (MAMMA)” e “Pediatrics Cannabis Therapy”. Eles afirmam que a maconha pode reduzir a chance de graves episódios comportamentais e tornar o indivíduo mais sociável e mais receptivo ao aprendizado. Entretanto, esses grupos não citam nenhum estudo controlado que possa apoiar essas afirmações. Além disso, eles afirmam que a maconha melhora os padrões de sono e permite que os indivíduos estejam mais presentes em seus contextos imediatos, também sem nenhuma pesquisa substancial.
Na internet podem ser encontrados vídeos que sugerem uma relação entre o uso da maconha e significativas melhoras do comportamento, sociabilidade e de outras áreas do desenvolvimento (por exemplo, https://www.youtube.com/watch?v=ISJ0fsCacMA). [é: i esse jota zero efe esse…]. Uma revisão das pesquisas da internet retornará centenas de histórias e de testemunhos apoiando a hipótese de que a maconha foi a causa da melhora dos indivíduos com autismo. Entretanto, a realidade é simplesmente de que não há nenhuma evidência científica de que essa droga seja relacionada a qualquer melhora no desenvolvimento, no comportamento ou nas avaliações acadêmicas. Quer dizer, não há nenhum estudo controlado, que use os métodos científicos aceitos, que avalie o impacto da maconha em nenhum dos sintomas do autismo. Assim, fica claro que nesse momento, não se demonstrou que a maconha seja um tratamento eficaz para o autismo.
Quais são os riscos associados ao uso da maconha para tratar o TEA?
Mais preocupante que a falta de evidência para apoiar o uso da maconha no tratamento do autismo, são as grandes dúvidas sobre a maconha ser considerada segura ou não. A casuística contra o uso dessa droga é muito convincente. Muitos relatos médicos descrevem em detalhes o conhecido perigo da maconha e os possíveis danos físicos e psicológicos que ela pode causar. É tão grande a preocupação em relação à falta de pesquisas que apoiem uma influência positiva no autismo, nas dificuldades do desenvolvimento e em outros transtornos pediátricos do comportamento, e o potencial para dano físico e psicológico, que várias organizações profissionais publicaram declarações de posicionamento afirmando que a maconha deve ser considerada uma preocupação para a saúde pública, e recomendando que futura legalização da droga seja postergada até que mais pesquisas sejam concluídas (por exemplo: American Academy of Neurology, 2017; American Academy of Pediatrics, 2016; American Medical Association, 2008; American Society of Addictive Medicine, 2014; American Academy of Child and Adolescent Psychiatry, 2017). Por exemplo, a Academia Americana de Neurologia, em sua declaração de posicionamento de 2017, sobre o uso da maconha nas doenças neurológicas, deixa claro que não há nenhum estudo formal que apoie o uso da maconha e de seus derivados para melhorar várias condições neurológicas.
Além disso, há potenciais efeitos colaterais documentados, incluindo tonturas, ideação suicida, sensação de intoxicação, alucinações e mudanças de humor (algumas potencialmente irreversíveis).
Ademais, o uso crônico de maconha fora da área de necessidade médica,mtambém foi associado com perda de memória e dificuldades de aprendizado (American Academy of Neurology, 2017). Finalmente, a interação entre as drogas de receituário médico e a maconha não foram ainda muito bem estudadas e podem representar mais um risco.
Qual é o fim da linha?
No momento, não há nenhuma evidência que apoie o uso da maconha como um tratamento para o autismo. Isso, junto com os possíveis efeitos colaterais negativos, sugere fortemente que não devamos usar a maconha para o tratamento do TEA, ao menos até que a comunidade médica primeiro entenda que seja seguro. Entretanto, mesmo que se prove seguro, os profissionais vão precisar de pesquisas bem controladas, de alta qualidade, que usem a maconha como tratamento para o autismo. Esses estudos precisam avaliar os efeitos da maconha em comportamentos claramente definidos e cuidadosamente avaliados, para determinar qualquer impacto positivo e causal. Até que isso ocorra, está claro que o uso da maconha e de outros produtos relacionados com a cannabis está contraindicado para o tratamento do autismo. Por não haver nenhuma evidência científica de que a maconha seja benéfica para indivíduos com autismo, os pais e cuidadores de crianças com TEA devem pensar seriamente nos efeitos colaterais que podem ocorrer com o uso da maconha como um tratamento.

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