O declínio cognitivo da idade não é inevitável? (Alzheimer, Demência, Parkinson)
Batya Swift Yasgur
20 de abril de 2021
Presume-se com
frequência que o declínio cognitivo é parte inexorável do
envelhecimento, mas um recente estudo com centenários sugere o
oposto. Pesquisadores descobriram que, apesar de apresentarem
neuropatologias relacionadas com a doença de Alzheimer, muitos
centenários mantiveram altos níveis de desempenho cognitivo. "O
declínio cognitivo não é inevitável", disse para o Medscape
a autora sênior, Dra. Henne Holstege, Ph.D., professora assistente
do Amsterdam Alzheimer Centre and Clinical Genetics no Amsterdam
Universitair Medische Centar, na Holanda. "Aos 100 anos ou mais
pode-se preservar um alto nível de desempenho cognitivo durante
muitos anos, mesmo quando as pessoas são expostas a fatores de risco
associados ao declínio cognitivo", disse a autora. O estudo foi
publicado on-line em 15 de janeiro no periódico JAMA Network Open.
Escapar do declínio cognitivo A Dra. Henne disse que seu interesse
em pesquisar o envelhecimento e a saúde cognitiva foi inspirado pela
"fascinante" história de Hendrikje van Andel Schipper, que
morreu aos 115 anos de idade em 2015, "inteiramente sadia em
termos cognitivos". Sua mãe, que morreu aos 100 anos, também
teve a cognição preservada até o final de sua vida. "Eu
queria saber como é possível que algumas pessoas possam escapar
completamente de todos os aspectos do declínio cognitivo mesmo
chegando a extremos de idades", disse a Dra. Henne. Para
descobrir o segredo da saúde cognitiva dos anciãos mais longevos, a
Dra. Henne iniciou o 100-Plus Study, feito com uma coorte de
centenários plenos. Os pesquisadores fizeram uma grande bateria de
testes neuropsicológicos e coletaram amostras de sangue e fezes para
examinar "a miríade de fatores que influenciam a saúde física,
como a genética, a neuropatologia, os marcadores séricos e o
microbioma intestinal, a fim de explorar as constelações
moleculares e neuropsicológicas associadas ao escape do declínio
cognitivo". O objetivo da pesquisa foi investigar "até que
ponto os centenários conseguiram preservar sua saúde cognitiva após
a inclusão no estudo, e até que ponto isso estava associado a
características genéticas, físicas ou neuropatológicas",
disse a pesquisadora. O estudo contou com 330 centenários que
completaram uma ou mais avaliações neuropsicológicas. Havia exames
neuropatológicos disponíveis para 44 participantes. Para avaliar o
desempenho cognitivo ao início do estudo, os pesquisadores fizeram
vários testes neurocognitivos, bem como o miniexame do estado
mental, a partir dos quais foram calculadas as médias de pontuação
z para os domínios cognitivos. Outros fatores considerados na
análise foram sexo, idade, estado do gene APOE, reserva cognitiva,
saúde física e se os participantes eram autônomos. Na autópsia,
foram avaliados os níveis de amiloide ß (Aß), os níveis de
acúmulo intracelular da proteína tau fosforilada em emaranhados
neurofibrilares e a quantidade de placas neuriticas. Resiliência e
reserva cognitiva Ao início do estudo, a mediana de idade dos
centenários (N = 330; 72,4% de mulheres) foi de 100,5 anos
(intervalo interquartílico de 100,2 a 101,7). Pouco mais da metade
(56,7%) vivia com autonomia e a maioria tinha boa visão (65,0%) e
audição (56,4%). A maioria (78,8%) caminhava sozinha e 37,9%
alcançaram o mais alto nível da International Standard
Classification of Education do ensino superior. Os pesquisadores
encontraram "graus variados de neuropatologia" nos cérebros
de 44 doadores, como Aß, emaranhados neurofibrilares e placas
neuríticas. O tempo de acompanhamento da análise das trajetórias
cognitivas variou de 0 a 4 anos (mediana de 1,6 anos). As avaliações
de todos os domínios cognitivos não apresentaram declínio, com
exceção de uma "discreta" diminuição da função da
memória (ß - 0,10 desvio padrão, DP, por ano; intervalo de
confiança, IC, de 95% de - 0,14 a - 0,05 DP; P < 0,001).
O desempenho
cognitivo foi associado a fatores da saúde física ou da reserva
cognitiva, por exemplo, maior independência na realização das
atividades da cotidianas, avaliados pelo índice de Barthel (ß 0,37
DP por ano; IC 95% de 0,24 a 0,49; P < 0,001) ou escolaridade de
nível superior (ß 0,41 DP por ano; IC 95% de 0,29 a 0,53; P <
0,001). Apesar de terem sido encontrados os sinais neuropatológicos
"oficiais" da doença de Alzheimer post-mortem nos cérebros
dos centenários, estes sinais não comprometeram o desempenho
cognitivo nem a velocidade do declínio cognitivo. Os alelos do gene
APOE4 ou APOE3 também não foram significativamente associados ao
desempenho ou ao declínio cognitivo, sugerindo que os "efeitos
dos alelos do gene APOE ocorrem antes dos 100 anos de idade",
observaram os autores. "Nossas observações sugerem que, após
atingir os 100 anos de idade, o desempenho cognitivo permanece
relativamente estável durante os anos subsequentes. Portanto, esses
centenários podem ser resilientes ou resistentes a diferentes
fatores de risco de declínio cognitivo", escreveram os autores.
Os pesquisadores também levantaram a hipótese de a resiliência
poder ser atribuível à existência de maior reserva cognitiva.
"Nossos dados preliminares indicam que cerca de 60% da chance de
chegar aos 100 anos de idade é hereditária, portanto, a fim de
obter uma melhor compreensão de quais são os fatores genéticos
associados à manutenção da saúde cognitiva, estamos buscando
quais variantes genéticas ocorrem mais comumente nos centenários em
relação às pessoas mais jovens", disse Dra. Henne. "É
claro que é necessário realizar mais pesquisas para compreender
melhor como estes elementos genéticos podem manter a saúde
cerebral", acrescentou a autora. Divisor de águas Convidado
pelo Medscape para comentar o estudo, o médico Dr.Thomas Perls,
professor de medicina na Boston University School of Medicine, nos
Estados Unidos, disse que o estudo é "um marco" na
pesquisa da longevidade excepcional em seres humanos. O Dr. Thomas,
que redigiu o editorial que acompanha o estudo e não participou da
pesquisa, observou que "não se pode absolutamente presumir um
certo nível de deficiência ou risco de doença somente porque uma
pessoa chegou a um extremo de idade – na verdade, se for o caso, a
sua capacidade de chegar a idades muito mais longevas provavelmente
indica resistência ou resiliência aos problemas relacionados com o
envelhecimento". Compreender o mecanismo da resiliência pode
levar ao tratamento ou à prevenção da doença de Alzheimer, disse
o editorialista. "As pessoas precisam ter cuidado com os mitos e
as atitudes relacionados com o envelhecimento e não presumir que
quanto mais você envelhece, mais doente fica, porque há muita gente
mostrando que não é bem assim", advertiu o comentarista.
O estudo foi
subsidiado pela Stichting Alzheimer Nederland e pela Stichting VUmc
Fonds. A pesquisa do Amsterdam Universitair Medische Centar faz parte
do programa de pesquisa de degeneração neural da Amsterdam
Neuroscience. Dra. Henne Holstege e o Dr. Thomas Perls informaram não
ter nenhum relacionamento financeiro relevante. Os conflitos de
interesses dos outros autores estão descritos no artigo original.
JAMA Netw Open.
Publicado on-line em
15 de janeiro de 2021. Texto completo, Editorial Siga o Medscape em
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da idade não é inevitável? - Medscape - 20 de abril de 2021.