quarta-feira, 18 de agosto de 2010

7 - Novas Diretrizes para o Tratamento do Déficit de Atenção/Hiperatividade

A Academia Americana de Pediatria (AAP), como consta na revista Pediatrics, Out. 2001, está recomendando novas diretrizes para o tratamento de TDAH. Durante 3 anos, toda a literatura publicada com relação ao tratamento de crianças portadoras de TDAH foi revisada pelo comitê responsável pela divulgação dessas diretrizes. Elas são resultantes desse estudo e estão baseadas na melhor evidência científica disponível no momento.
As recomendações da AAP são um recurso importante para pais e profissionais. Proporcionam uma base de comparação entre o que se propõe como tratamento com o que é recomendado por especialistas cujas conclusões estão cientificamente comprovadas.

Diretriz n° 1: Médicos de atenção primária devem ter um protocolo de avaliação que reconheça o TDAH como um problema crônico.
O TDAH é uma condição crônica para a qual não existe cura conhecida e muitas crianças carregam seus sintomas para a adolescência e idade adulta. Portanto, um tratamento eficaz requer um plano de intervenção em longo prazo. O objetivo desse plano é minimizar o impacto negativo dos sintomas do transtorno sobre o desenvolvimento da criança.
A AAP enfatiza que esclarecer os pais e a criança é crucial. Ambos devem ser informados sobre os efeitos que o TDAH pode ter sobre o aprendizado, o comportamento, a autoestima, as habilidades sociais e o funcionamento da família. O conhecimento aumenta a probabilidade da cooperação dos pais e da criança durante o tratamento.
Esse processo educativo é dinâmico, as famílias devem ser informadas dos avanços na área à medida que eles acontecem. Os médicos devem encaminhar as famílias para organizações ou grupos que possibilitem essa informação e que ofereçam oportunidades para o desenvolvimento de relações de apoio com outras famílias.
A importância de informar pais e crianças não pode ser minimizada. Um tratamento adequado para TDAH pode ser um processo extremamente difícil, podendo se estender por muitos anos. Quando as famílias não possuem a compreensão necessária a respeito dos efeitos do problema, sustentar esse processo pode se tornar ainda mais complicado.
É interessante observar que essa recomendação explicita a necessidade de informar à criança como parte do processo integral do tratamento. Ela deve receber informações adequadas para a idade, com oportunidade de fazer perguntas sobre sua situação. Não se pode esperar a cooperação de uma criança sem que ela compreenda claramente o que tem e porque deve ser tratada.

Diretriz n° 2: O médico, os pais e a criança, em colaboração com a escola, devem especificar os objetivos a serem alcançados através do plano de intervenções.
Esta recomendação enfatiza a necessidade da colaboração ativa entre pais, criança, escola e profissional da saúde para o bom andamento de um plano de intervenção. A colaboração deve ter como objetivo maximizar o funcionamento da criança em situações chaves nas áreas social, acadêmica a comportamental, ao invés de ficar apenas na redução dos sintomas básicos do TDAH - desatenção, impulsividade e hiperatividade. Por exemplo, objetivos a serem conquistados incluem:

- melhorar o relacionamento da criança com os pais, irmãos, professores e colegas;
- diminuir os episódios de comportamento destrutivo;
- melhorar o aproveitamento acadêmico;
- reforçar a autoestima.

O tratamento deve começar com a definição clara de metas nas áreas em que a criança está tendo maior dificuldade. Estas metas são estabelecidas segundo informação trazida pela própria criança, pelos pais e pelo pessoal da escola. (Novamente enfatizada a importância de tornar os portadores, parceiros no desenvolvimento do plano de intervenção).
As metas devem ser específicas ("João deve terminar seus trabalhos no tempo permitido"), razoáveis de serem conquistadas (3 a 6 objetivos por tratamento) e dentro da realidade. Só é possível determinar como avaliar o desenvolvimento e a obtenção de resultados depois de se iniciar o plano. Sem ele, é difícil avaliar com segurança o resultado das intervenções adotadas.
A recomendação de focalizar o tratamento na melhora funcional e não na diminuição dos sintomas básicos do TDAH é bastante importante, pois pais e profissionais devem entender que redução de sintomas e melhora funcional nem sempre caminham juntos. Por exemplo, algumas crianças podem aparentar clara melhora na atenção e/ou hiperatividade, mas continuar a ter problemas com o trabalho escolar, o relacionamento com os colegas etc. Focalizando as situações e não os sintomas, pais e responsáveis poderão identificar melhor tais situações e fazer as acomodações/intervenções adequadas no tratamento da criança.

Diretriz n° 3: O médico deve recomendar medicação estimulante e/ou terapia comportamental, de acordo com a necessidade, para possibilitar a obtenção das metas propostas pelo tratamento.
Que tratamentos devem ser considerados? A AAP recomenda o tratamento medicamentoso e/ou a terapia comportamental, embora essas não signifiquem a invalidade de outros tratamentos. Indica, no entanto, que esses foram os dois únicos que o comitê considerou haver suficiente evidência científica para justificar sua recomendação rotineira.
Além da recomendação geral, as diretrizes contém importante informação a respeito do tratamento. Está registrado que para a maioria das crianças, "a medicação estimulante é muito eficaz no controle dos sintomas básicos do TDAH". As pesquisas indicam que os resultados mais significativos estão na área do comportamento social e na sala de aula, relativos aos sintomas de desatenção, hiperatividade e impulsividade. Os efeitos sobre o aproveitamento escolar são mais modestos.
Embora a maioria dos estudos que analisa a eficácia do medicamento psicoestimulante seja pesquisa de curto prazo, recentemente o Instituto Nacional de Saúde Mental dos Estados Unidos realizou o mais longo estudo sobre o tratamento multidisciplinar em crianças portadoras de TDAH - o MTA2.
Durante o período de 14 meses da pesquisa, as crianças tiveram uma redução significativa dos sintomas básicos do transtorno. Apesar desses importantes ganhos, a maioria das crianças tratadas com psicoestimulantes não demonstra comportamento totalmente normal e muitas continuam a apresentar dificuldades residuais que necessitam ser tratadas de outra maneira.
Outros aspectos importantes do tratamento medicamentoso incluem:
- os efeitos em longo prazo de um tratamento com psicoestimulantes não estão claros e os dados necessários para uma avaliação do impacto em longo prazo não estão disponíveis atualmente;
- não há, no momento, nenhuma base para a recomendação de um tipo/marca de medicamento melhor que o outro e todos os estimulantes melhoram os sintomas básicos de TDAH da mesma maneira. (Observação: o uso de pemoline - Cylert - não é recomendado devido às possíveis complicações para o funcionamento do fígado);
- a dosagem ideal de um psicoestimulante não está relacionada ao peso da criança e não é possível prever qual a melhor dose ou o medicamento mais eficaz. A fim de determinar qual a dose ideal para cada paciente, deve‑se começar com uma dosagem baixa e, gradualmente, aumentá-la até o limite recomendado. (Observação: A primeira dose a provocar uma resposta na criança pode não ser a dose ideal para melhorar seu funcionamento. Só é possível definir a dose inicial do tratamento testando a criança no espectro total da dosagem e obtendo um retorno sistemático de pais e professores a respeito do seu comportamento com cada dose.);
- a criança pode ter uma reação favorável com um estimulante e desfavorável com outro, portanto, não se deve mudar para outro tipo de medicamento até que a criança experimente 2 ou 3 estimulantes sem melhora significativa;
- as evidências disponíveis indicam que o medicamento psicoestimulante é mais seguro e bem tolerado pela maioria das crianças. A maioria dos efeitos colaterais acontece no início do tratamento, é de curta duração e pode frequentemente, ser controlada através de ajuste na dosagem ou mudança de medicamento. No momento, não se conhecem efeitos adversos em longo prazo devido ao uso de psicoestimulantes, embora a necessidade de estudos a respeito dessa segurança esteja bem documentada.
- os outros únicos medicamentos cuja eficácia foi demonstrada são os antidepressivos tricíclicos, a bupropiona e a clonidina. Como já foi dito, eles devem ser usados apenas após a falta de reação à cuidadosa tentativa de 2 ou 3 psicoestimulantes.

Diretriz n° 4 : Quando o plano de intervenção proposto não tiver atingido seus objetivos, os médicos devem reavaliar o diagnóstico original, o uso dos tratamentos adequados, a persistência no cumprimento do plano e a presença de comorbidades.
Esta recomendação baseia-se na premissa que um tratamento medicamentoso bem conduzido e/ou uma terapia comportamental devem resultar em melhoras clinicamente significativas para a maioria das crianças portadoras de TDAH. Quando esses resultados positivos não ocorrem, a diretriz identifica várias razões importantes que devem ser consideradas.
Primeiro, o diagnóstico original pode estar incorreto e a base na qual foi formulado deve ser reavaliada. Pesquisas anteriores mostram que muitas crianças são diagnosticadas incorretamente com TDAH e inadequadamente tratadas com psicoestimulantes, embora um maior número de crianças jamais é diagnosticado e corretamente tratado.
Segundo, médicos e pais devem rever se os objetivos propostos podem ser realmente alcançados ou se foram colocados “muito altos”. Deve-se tomar cuidado para propor alvos comportamentais e acadêmicos que estejam dentro do alcance da criança.
Terceiro, o plano de tratamento dever ser reavaliado para determinar se abarca todas as dificuldades da criança. Por exemplo, apesar das intervenções medicamentosa e comportamental terem sido ambas reconhecidas como tratamento eficaz para TDAH, limitar o tratamento a uma delas pode ser inadequado em muitas situações.
Quarto, a persistência no tratamento deve ser verificada cuidadosamente. Se uma criança não toma o medicamento como foi receitado, o tratamento provavelmente não terá o resultado esperado. Intervenções comportamentais também não trarão benefícios substanciais a menos que sejam seguidas fielmente durante certo período de tempo. Se um plano bem equilibrado não traz os resultados desejados por falta de persistência, é necessário identificar e corrigir a causa. Não é aconselhável abandonar um plano de intervenção antes de haver a possibilidade de ele agir.
Finalmente é necessário considerar cuidadosamente a existência de outras condições que complicam o tratamento. Crianças com TDAH apresentam maior fator de risco para outros distúrbios, inclusive Transtornos de Aprendizagem, Transtornos Afetivos, Transtorno Opositivo Desafiador e Transtorno de Conduta. Quando um ou mais desses transtornos ocorrem, outras intervenções são necessárias. Apesar de uma avaliação abrangente incluir a avaliação da presença de comorbidades, é possível que isso não tenha sido feito. Portanto, quando um tratamento para TDAH não estiver trazendo os resultados esperados, a possibilidade de uma comorbidade importante não ter sido detectada deve ser cuidadosamente considerada.

Diretriz n° 5: O médico deve fazer controle sistemático da criança. O monitoramento dever ser direcionado à realização dos objetivos e aos efeitos adversos, obtendo-se informação especifica com os pais, professores e a própria criança.
A importância dessa recomendação não pode ser diminuída. Uma limitação significativa no tratamento recebido por muitas crianças com TDAH é a falta de controle e monitoramento adequados. Quando esse monitoramento é deficiente, um tratamento ineficaz se prolonga sem receber os necessários ajustes ou modificações.
Durante a realização do MTA, um importante fator do acompanhamento eram as consultas mensais para as crianças com tratamento medicamentoso. Nessas consultas, os pais e professores forneciam informações diretas sobre o comportamento da criança. Os problemas que poderiam surgir eram rapidamente identificados e fazia-se a alteração adequada da medicação. É importante observar que, apesar de se ter adotado um procedimento extremamente rigoroso para identificar a dosagem ideal para cada criança, ajustes no medicamento foram comuns durante os 13 meses da pesquisa e algumas crianças até mudaram para novos medicamentos. Essas alterações foram necessárias para manter os sintomas sob controle.
As diretrizes da AAP afirmam que a frequência do monitoramento depende “... do grau de disfunção, das complicações e da persistência" e não há pesquisa que especifique qual é a frequência adequada para esse controle. Recomenda-se que, uma vez estabilizada, a criança faça uma consulta a cada 3-6 meses, para possibilitar a avaliação da aprendizagem e do comportamento. Observa-se, no entanto, que comunicação adicional deve acontecer em consultas mais frequentes e que os pais devem trazer informação sobre o funcionamento da criança na casa, na escola e no ambiente social. Qualquer decréscimo aparente deve ser cuidadosamente observado para determinar a necessidade de modificações no tratamento.

Resumo e conclusões:
Espera-se que as diretrizes da AAP suscitem melhoras significativas na qualidade do tratamento recebido pelas crianças com TDAH da parte dos médicos de atenção primária. Baseadas na melhor evidência atualmente disponível, elas apresentam um conjunto claro de princípios que devem ser incorporados ao tratamento de cada criança. Resumindo, o tratamento ideal deve incluir:

1 - um plano de acompanhamento que seja consistente com a natureza crônica do TDAH e que informes pais e crianças sobre a condição;

2 - um conjunto claro de objetivos que focalizem a melhora funcional e que deve ser elaborado com a colaboração da criança, dos pais, do pessoal da escola e dos profissionais que irão participar do tratamento;

3 - o uso de tratamentos baseados em conhecimento empírico, incluindo tratamento medicamentoso e/ou terapia comportamental;

4 - monitoramento cuidadoso e frequente dos resultados positivos e negativos do tratamento.

Em razão de não haver dados disponíveis a respeito do impacto em longo prazo do tratamento que seguem rigorosamente essas diretrizes, não se conhece o resultado final desse tratamento em crianças com TDAH. O ponto principal na promoção do sucesso em longo prazo, no entanto, está em tornar cada dia o melhor possível para a criança. Transformando os bons dias em boas semanas, boas semanas em bons meses e bons meses em bons anos, aquele resultado final positivo pode ser alcançado.
Consequentemente, uma adesão cuidadosa às diretrizes da AAP é a melhor maneira de alcançar o objetivo almejado e espera-se que os profissionais da atenção primária façam os ajustes necessários na sua prática para garantir essa conquista.

(1) Fonte: Attention Research Update, in www.attention.com esse material é copiado do Dr. David Rabiner, psicólogo clínico e pesquisador da Duke University.
(2) Multi-Modal Treatment Study of Children with ADHD
Autor deste informe: Irineu Dias (Clínica Médica)

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