domingo, 8 de janeiro de 2017

TDAH - O tratamento do seu filho é do tipo “pacote completo”? - 431

O tratamento do seu filho é do tipo “pacote completo”?

A medicação trata somente as deficiências neuroquímicas do deficit de atenção. Precisamos tratar, também, os problemas psicológicos e sociais. Por Larry Silver, M.D.

Fiz meu treinamento em Psiquiatria Geral, seguido por treinamento em Psiquiatria da Criança e do Adolescente, na metade dos anos sessentas. Minha especialidade médica era uma subespecialidade relativamente nova da Psiquiatria. Naquela época, a teoria para a compreensão e o tratamento de crianças era centrado na teoria psicanalítica e na psicoterapia psicoanaliticamente orientada. Todo meu treinamento e supervisão clínica foi baseado nesse modelo. Eu era fascinado pela psicologia da mente. Mas eu era igualmente interessado na compreensão do funcionamento cerebral e nas relações entre o cérebro e a mente.

Com a permissão do diretor do meu programa de treinamento, atendia discussões de casos para residentes em outra nova subespecialidade médica, Neurologia da Infância. Um dos casos era de um menino com algo chamado de “Reação Hipercinética da Infância”. Isso, agora, é chamado de Transtorno de Deficit de Atenção e Hiperatividade, ou TDAH. A criança era hiperativa e ia muito mal nos estudos. Foi medicado com dextro-anfetamina e seus sintomas melhoraram.

Eu lidava com uma criança que tinha sintomas semelhantes na terapia. Ela tinha todas as características da Reação Hipercinética da Infância. Discuti minha ideia de tentar a medicação. Meu supervisor não ficou contente com a minha ideia de tentar usar medicação em vez de psicoterapia, e encorajou-me a me concentrar na “psicodinâmica do caso”. Eu estava frustrado com a falta de progresso do caso e, então, assumi o risco de me meter em problemas. Em colaboração com o pediatra do meu paciente, providenciei para que ele começasse a tomar a medicação (dextroanfetamina). Os pais, os professores e o próprio paciente notaram uma dramática melhora. Ele se tornou capaz de ficar sentado durante as aulas e de se concentrar em seu trabalho. Seus comportamentos disruptivos cessaram. Eu não podia dizer ao meu supervisor que tinha ignorado suas ordens e providenciado o uso de medicação. Então, tive de exaltar como a psicoterapia e a orientação dos pais tinha resultado na melhora dos sintomas. Meu supervisor elogiou meu trabalho.

Como as coisas mudaram

A Psiquiatria da Infância e da Adolescência evoluiu muito desde então. Usamos um modelo biopsicossocial que leva em conta o funcionamento cerebral, assim como o funcionamento psicológico e social – tudo no contexto da vida da criança na família, na escola e com os colegas. As pesquisas com crianças TDAH nos ensinaram sobre as relações entre o funcionamento cerebral ou sua disfunção e os comportamentos clínicos observados.

Muitos acreditam que o TDAH foi o primeiro transtorno em que se demonstrou ser o resultado de uma produção deficiente de um neurotransmissor específico em áreas cerebrais específicas. A descoberta de que um grupo de medicações - chamadas de “estimulantes” porque estimulam células nervosas específicas a produzir mais desse neurotransmissor deficiente – causava uma diminuição ou interrompia a hiperatividade, a desatenção e a impulsividade, abriu o campo da psicofarmacologia da infância.

Atualmente, sabemos que outros transtornos são o resultado de uma deficiência de neurotransmissores específicos em áreas cerebrais específicas. (Até agora, não encontramos um transtorno que pareça ser o resultado de uma produção excessiva de um neurotransmissor específico em áreas específicas do cérebro.) Para cada um desses transtornos, temos medicações que aumenta a produção do neurotransmissor, levando à melhora. Foram as pesquisas com o TDAH que expandiram nosso conhecimento da neurociência e do tratamento de transtornos com base neurológica.

Lições Aprendidas

Deixem-me voltar à minha história. Depois dos meus anos de treinamento, liguei-me à faculdade de um centro médico universitário. Doze anos mais tarde, mudei-me para o National Institute of Mental Health (Instituo Nacional de Saúde Mental). Depois, voltei ao centro médico universitário. Nesses mais de 40 anos, minhas principais áreas de pesquisa, trabalhos clínicos escritos e atividade clínica focalizaram o TDAH e as Dificuldades de Aprendizagem. Durante esses anos, o pêndulo gradualmente balançou dos modelos psicológicos para os modelos biológicos, para o entendimento do comportamento normal e da psicopatologia. Atualmente o pêndulo mudou para o centro, com igual atenção nas disfunções cerebrais e nos desafios psicológicos e sociais.

Hoje, sabemos que uma deficiência de um neurotransmissor específico em áreas específicas do cérebro explica as dificuldades encontradas em uma criança ou em um adulto com TDAH. Sabemos que certos medicamentos corrigem a deficiência do neurotransmissor, resultando na redução ou eliminação dessas dificuldades. Aprendemos, também, que a medicação isoladamente não é o suficiente. Uma pessoa diagnosticada com TDAH vive em uma família e deve funcionar no mundo real, com todas suas expectativas e cobranças. Não podemos tratar somente a deficiência neuroquímica.

Ainda há médicos, incluindo alguns psiquiatras da infância e da adolescência, que parecem ter pendido para um lado do arco. Seu foco é muito centrado na medicação e pouco na exploração dos possíveis problemas psicossociais e familiares.

Deixem-me dar um exemplo. Um pai leva seu filho a um médico de família. O pai diz: “O professor dele diz que ele não consegue ficar sentado quieto e que não presta atenção na aula. Em casa, vejo a mesma coisa.” O médico ouve hiperatividade e desatenção, conclui que é TDAH e escreve uma receita de um estimulante. No que o médico possivelmente falhou? A inquietação e a desatenção podem ser o resultado de dificuldades acadêmicas, possivelmente devidas a uma Dificuldade de Aprendizagem. Ou as dificuldades podem refletir estresses na família por causa de problemas entre os pais. A hiperatividade poderia ser o resultado da ansiedade, não de TDAH.

Médicos e pais devem lembrar-se de que nem todos os indivíduos que são hiperativos, desatentos e/ou impulsivos têm TDAH. Os comportamentos vistos em crianças, adolescentes ou adultos que têm TDAH também podem ser vistos em indivíduos com outros transtornos – depressão, ansiedade, transtorno obsessivo-compulsivo, para citar alguns. Também é possível que tais comportamentos sejam o resultado da frustração de um aluno na escola por causa de Dificuldades de Aprendizagem, outro transtorno de origem no cérebro.

Dicas para todos nós

É importante determinar se os comportamentos são neurologicamente baseados ou psicologicamente baseados. Temos guias clínicos em nosso DSM-V (Diagnostic and Statistical Manual of Mental Disorders) para ajudar a distinguir entre os dois. Se a inquietação, desatenção, dificuldades de organização ou impulsividade começam em uma ceerta época ou ocorrem somente em certas situações, provavelmente será um problema psicológico. Se os comportamentos são crônicos ( ou se foram notados desde a infância) e pervasivos (ocorrem em casa, na escola, no trabalho, e com os colegas), provavelmente será um problema cerebral, tal como o TDAH.

Para seu médico fazer um diagnóstico de TDAH, ele deve demonstrar que os comportamentos observados são o resultado de problemas com base cerebral, não psicológicos, familiares ou estresses sociais. Como isso é feito?
1- Documente quais comportamentos o adulto ou a criança tem.
2- Mostre que esses comportamentos são crônicos.
3- Mostre que esses comportamentos são pervasivos.

Se os comportamentos identificados começaram em certa época da vida ou se ocorrem em somente algumas circunstâncias, o TDAH não deve ser considerado.

Foram 40 anos maravilhosos para mim, ser parte da transição de um modelo psicológico para a compreensão do comportamento para um modelo que envolve fatores biológicos, psicológicos e sociais. Em grande parte, o estudo do TDAH abriu o caminho.


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