quinta-feira, 24 de setembro de 2015

O TDAH do adulto começa na infância? (418)

O TDAH do adulto começa na infância?
Recentes e interessantes dados sugerem outra coisa. O TDAH do adulto é tido como a continuidade de um transtorno da infância até a idade adulta, isto é, ele representa o mesmo transtorno que o TDAH das crianças. Assim, seria de se esperar que, mesmo quando o TDAH fosse diagnosticado na vida adulta, esses indivíduos teriam as mesmas características dos que foram diagnosticados na infância. De fato, o DSM-V requer evidência de TDAH na infância, quando estipula que ao menos alguns dos sintomas estejam presentes antes da idade de 12 anos.
Entretanto, apesar do entendimento de que o TDAH do adulto seja um transtorno neurobiológico que se inicia na infância, essa hipótese nunca foi testada adequadamente por causa das limitações nas pesquisas nas quais foram examinadas as características da infância de adultos com TDAH.
Em um tipo de pesquisa, indivíduos diagnosticados com TDAH na infância são seguidos até a vida adulta. Nesse esquema, todos os que preenchessem os critérios para TDAH do adulto teriam sido diagnosticados muito antes. Assim, não haveria nenhuma informação de como tinham sido na infância os indivíduos diagnosticados com TDAH já na idade adulta, ou em que extensão o TDAH do adulto representaria a continuação de uma condição anterior.
Em um segundo tipo de pesquisa, adultos com TDAH são identificados em amostras da comunidade e comparados aos adultos da amostra, não diagnosticados, em relação a características importantes da infância. Entretanto a informação sobre características da infância depende de avaliação retrospectiva que pode ser viciada e incompleta. Por isso, dados acurados sobre como eram esses adultos quando crianças também são, de algum modo, limitados.
Um artigo recentemente publicado no American Journal of Psychiatry [Is adult ADHD a childhood-onset neurodevelopmental disorder? Evidence from a four-decade longitudinal cohort study. Morritt, et al., (2015). American Journal of Psychiatry, doi: 10.1176/appi. ajp2015.14101266] resolve essas limitações ao seguir desde o nascimento um conjunto de 1000 indivíduos durante um período de 4 décadas.
Os participantes eram membros do Dunedin Multidisciplinary Health and Development Study, uma investigação longitudinal da saúde e do comportamento de todas as crianças nascidas em Dunedin, Nova Zelândia, entre abril de 1972 e março de 1973. Esses indivíduos foram avaliados múltiplas vezes durante seu desenvolvimento, até mais recentemente, com a idade de 38 anos, quando impressionantes 95% da amostra original participaram. O pesquisador líder desse estudo é a Dra. Terrie Moffitt, da Duke University. Ela e seus colegas lidaram com uma verdadeiramente incrível quantidade de dados que podem responder a um número de questões importantes, com dados de melhor qualidade do que a dos previamente disponíveis.
Nessa amostra, 61 indivíduos foram identificados com TDAH entre as idades de 11 e 15 anos, correspondendo a mais ou menos 6% de todos os indivíduos envolvidos no estudo. Quando os participantes completaram 38 anos de idade, o estado do diagnóstico do TDAH avaliado novamente por meio de entrevistas psiquiátricas estruturadas, com os entrevistadores “cegos” em relação ao diagnóstico prévio. Trinta e um indivíduos – cerca de 3% dos participantes – foram diagnosticados com TDAH dessa vez. Como o principal problema a ser resolvido nesse estudo era determinar as características da infância de adultos que atingiram os critérios de TDAH já adultos, a presença de sintomas antes dos 12 anos não foi requerida. Se isso fosse requerido, todos os que atingiram os critérios na vida adulta teriam mostrado altos níveis de sintomas de TDAH como crianças. Entretanto, todos os outros critérios exigidos pelo DSM-V foram atingidos.
RESULTADOS
Se o TDAH do adulto representa a continuidade do TDAH da infância, então todos os 31 indivíduos identificados na idade adulta deveriam vir dos 61 casos diagnosticados lá no início do estudo. Isso, entretanto, não foi o que ocorreu. Em vez disso, somente 3 dos 31 indivíduos diagnosticados já na idade adulta tinham sido diagnosticados lá no início, quando crianças. Assim, aproximadamente 90% dos adultos que atingiram os critérios de sintomas para o TDAH não atingiram os critérios de diagnóstico na infância. Outro dado interessante foi o de que os casos de TDAH com início na infância eram em 80% masculinos, enquanto no grupo com diagnóstico já na vida adulta eram 61% masculinos.
Como esses grupos se comparavam durante a infância?
Análises adicionais revelaram como esses dois grupos eram diferentes quando crianças.
As avaliações dos pais e dos professores coletadas nas idades de 5, 7, 9, 11 e 13 anos foram tratadas estatisticamente e tiradas as médias para os dois grupos e para os membros da amostra que nunca foram diagnosticados com TDAH. Os diagnosticados em torno dos 15 anos de idade tinham substancialmente níveis mais elevados de sintomas de TDAH na infância quando comparados aos indivíduos controle; os diagnosticados já como adultos, entretanto, não. De fato, poucos desses adultos tinham ao menos um sintoma taxado como definitivamente presente por seus professores da escola fundamental.
Os do grupo TDAH da infância também tinham taxas significativamente mais altas de problemas de comportamento, depressão e ansiedade na infância do que os indivíduos controle. Os do grupo TDAH adulto diferiam dos controles somente nos problemas de comportamento na infância, que eram modestamente mais altos.
Os testes cognitivos durante a infância mostraram que o grupo TDAH da infância tinha déficits cognitivos significantes quando crianças em comparação aos controles. Seu QI era 10 pontos menor e eles exibiam déficits significantes na aquisição da leitura. Em contraste, os do grupo TDAH adulto não tinham nenhum déficit cognitivo na infância.
Como esses grupos se comparavam como adultos?
De acordo com informantes que conheciam bem os participantes, ambos os grupos de crianças TDAH e adultos TDAH mostraram altas taxas de sintomas de TDAH em comparação aos controles. Assim, mesmo que muitos indivíduos diagnosticados quando crianças já não mais preenchiam os critérios de diagnóstico como adultos, eles continuaram a mostrar altas taxas de sintomas.
Em temos de funcionamento de saúde mental, nenhum grupo teve taxas elevadas de mania, depressão ou transtorno de ansiedade como adultos. Os do grupo TDAH adulto, entretanto, tiveram taxas significativamente mais altas de problemas com drogas e álcool.
A avaliação cognitiva na idade adulta continuou a descobrir que os que tinham TDAH na infância tinham déficits em comparação aos controles em muitas medidas neuropsicológicas, incluindo o QI. Os do grupo TDAH adulto, em contraste, não mostraram nenhum déficit. Mesmo assim, eles relataram um grande número de queixas cognitivas subjetivas.
E sobre indicadores importantes de funcionamento na idade adulta? Os do grupo TDAH da infância tiveram menor probabilidade de obter grau universitário, ganhavam salários menores e tiveram mais problemas com dívidas e menos possibilidade de crédito financeiro do que os controles. O nível geral de satisfação com a vida foi mais baixo e eles foram mais prejudicados no todo. Os do grupo TDAH do adulto não diferiam dos controles quanto á educação e aos rendimentos, mas tinham os mesmos problemas de dívidas e crédito. Também relataram níveis maiores de prejuízo geral e taxas mais baixas de satisfação com a vida.
Finalmente, houve evidência de diferenças genéticas entre os dois grupos. Os que tinham TDAH da infância mostravam taxas mais altas de fatores de risco para o TDAH do que os indivíduos de comparação, enquanto os do grupo TDAH do adulto não apresentavam diferença.
RESUMO E IMPLICAÇÕES
Os resultados desse estudo longitudinal de quase quarenta anos lança forte dúvida sobre a suposição de que o TDAH do adulto representaria a continuidade do mesmo transtorno ao longo do desenvolvimento. Embora os diagnosticados com TDAH na infância continuem a ter dificuldades como adultos, muitos não preenchem mais os critérios de diagnóstico para TDAH. Por outro lado, os diagnosticados na vida adulta são um grupo muito diferente daqueles diagnosticados na infância. Tão diferente, de fato, que parece inverossímil que o TDAH da infância e o do adulto possam representar o mesmo transtorno.
Aproximadamente 90% dos diagnosticados na idade adulta não tinham sido diagnosticados anteriormente. Não havia nenhuma evidência, entre os desse grupo, de sintomas substancialmente elevados de TDAH na infância. Eles não mostraram os déficits cognitivos durante a infância ou idade adulta, que caracterizam aqueles com TDAH da infância, nem mostraram altas taxas de fatores genéticos de risco.
Entretanto, isso não implica que adultos que apresentem um quadro de sintomas de TDAH não necessitem de tratamento. Como grupo, eles relataram níveis diminuídos de satisfação com a vida, problemas cognitivos na vida diária e problemas com dívidas e crédito. Eles tendiam a acreditar que perdiam tempo por causa da desorganização, que tinham fracassado em atingir seu potencial e que estavam esgotando outras pessoas. Problemas com álcool e drogas também foram elevados. Assim, eles estavam sofrendo e necessitando de assistência.
Se esses indivíduos adultos não têm o transtorno neurodegenerativo do TDAH, o que eles têm? Não é provável que estivessem fingindo, porque não haveria nenhum motivo para isso. Também não é provável que seus sintomas de TDAH fossem mais bem explicados por outro transtorno – que eles tivessem sido erroneamente diagnosticados com TDAH – porque mais da metade não preenchiam critérios para nenhum outro transtorno. Por causa das altas taxas de uso de substâncias entre os desse grupo adulto, é tentador sugerir que isso poderia explicar seus sintomas de TDAH, Infelizmente, não foi possível esclarecer se o uso de substâncias levou aos sintomas de TDAH ou se esses sintomas apareceram antes do uso de substâncias.
Uma possibilidade interessante é que o TDAH do adulto é um transtorno real, porém distinto do TDAH que surge na infância. Por causa das semelhanças na apresentação dos sintomas, O TDAH nas crianças e nos adultos pode ter sido, incorretamente, tido como um mesma condição. Os autores notam que, ironicamente, ao exigir início na infância e origem no desenvolvimento neurobiológico, o DSM-V deixa esses resultados desencontrados fora do sistema de classificação. Como resultado, obter o tratamento necessário pode ser mais difícil.
A aceitação de que o TDAH da criança e do adulto seja um mesmo transtorno pode também limitar a pesquisa da etiologia do TDAH do adulto, já que um mesmo transtorno teria os mesmos fatores etiológicos. Assim, nosso entendimento do TDAH do adulto seria limitado, o que poderia também limitar a pesquisa de estratégias de prevenção e tratamentos mais eficientes.

Se esses achados forem apoiados por pesquisas subsequentes – a replicação é sempre importante – seria necessária uma importante mudança na maneira como o TDAH do adulto é conceituado, assim como mudanças nos critérios atuais de diagnóstico do TDAH.

David Rabiner, Ph.D.
Research Professor
Dept. of Psychology & Neuroscience
Duke University
Durham, NC 27708

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