terça-feira, 8 de novembro de 2022

 

TDAH - Fármacos que estimulam a cognição não são uma boa ideia para pessoas saudáveis    Por Liam Davenport 1 de novembro de 2022

Medicamentos criados para estimular a cognição em casos de transtornos do neurodesenvolvimento não aumentam o desempenho cognitivo global em indivíduos saudáveis, podendo até mesmo reduzir a produtividade, sugere uma nova pesquisa.

Em um ensaio controlado randomizado, 40 adultos saudáveis receberam metilfenidato, dexanfetamina (medicamentos usados no transtorno de déficit de atenção/hiperatividade [TDAH]) ou modafinila (medicamento estimulante) versus placebo.

Após receber os chamados “medicamentos da inteligência”, os participantes gastaram mais tempo e fizeram mais movimentos, de forma mais rápida, para resolver um problema em uma tarefa cognitiva complexa, do que quando receberam placebo. No entanto, além da ausência de melhora significativa no desempenho global, todos os medicamentos foram associados a uma redução significativa na eficiência.

Os achados “reforçam a ideia de que, embora os medicamentos administrados produzam um aumento de motivação, esse aumento do esforço ocorreu à custa da perda de produtividade”, disse o médico apresentador do estudo Dr. David Coghill, Ph.D., médico e coordenador de psiquiatria do desenvolvimento na University of Melbourne, na Austrália.

Isso foi especialmente verdadeiro em indivíduos que obtiveram altos escores após receber o placebo, “mas acabaram tendo uma produtividade abaixo da média após tomar os medicamentos”, observou ele.

No geral, esses medicamentos não aumentam o desempenho. Em vez disso, causam uma regressão à média e parecem ter um efeito mais negativo nos indivíduos que tiveram um desempenho inicial superior”, acrescentou o Dr. David.

O médico apresentou os achados no 35º Congresso do European College of Neuropsychopharmacology (ECNP).

Evidências anteriores são ambíguas

O Dr. David observou que os medicamentos estimulantes controlados são cada vez mais usados por trabalhadores e estudantes como “medicamentos da inteligência”, para aumentar a produtividade profissional ou acadêmica.

Ele conduziu o estudo com colaboradores do Departamento de Economia da sua instituição, por causa do “interesse [da equipe] em profissionais do setor financeiro que usam estimulantes cognitivos, na esperança de que eles aumentem sua produtividade nas salas de negociação, as quais são muito competitivas”.

No entanto, embora “exista uma crença subjetiva” de que esses medicamentos sejam eficazes como estimulantes cognitivos, as evidências que demonstram, de fato, essa eficácia em indivíduos saudáveis “são, na melhor das hipóteses, ambíguas”, disse o pesquisador aos congressistas.

Melhoras em capacidades cognitivas, como memória de trabalho e planejamento, são mais evidentes em populações clínicas, como em pacientes com TDAH, o que pode ser devido a  “efeito teto” das tarefas cognitivas em indivíduos saudáveis, observou o Dr. David.

Para aprofundar a investigação, os pesquisadores conduziram um estudo randomizado e duplo-cego em adultos com doses convencionais de metilfenidato (30 mg), dexanfetamina (15 mg) e modafinila (200 mg) versus placebo. Os participantes saudáveis (n = 40), com 18 a 35 anos de idade, receberam todos os tratamentos ao longo de quatro sessões de intervenção.

Foi solicitado que todos os pacientes resolvessem oito versões do problema da mochila, cujo objetivo é colocar objetos hipotéticos em uma mochila para atingir o valor máximo dentro de um certo limite de peso.

O problema parece muito simples, mas à medida que o número de itens aumenta, o cálculo se torna extremamente complexo e, efetivamente, não é resolvível através de abordagens convencionais. Você tem que usar o método de tentativa e erro”, disse o Dr. David.

Os participantes também resolveram várias tarefas cognitivas da Cambridge Neuropsychological Test Automated Battery (CANTAB).

Achados “surpreendentes”

Os resultados mostraram que, em geral, os medicamentos não tiveram um efeito significativo no desempenho nas tarefas (inclinação de -0,16; P = 0,011).

Além disso, os medicamentos, tanto individual quanto coletivamente, tiveram um efeito negativo significativo no valor alcançado em todas as tentativas de resolução do problema da mochila (inclinação de -0,003; P = 0,02), sendo que esse efeito se estendeu “por todos os níveis” de complexidade do problema, relatou o Dr. David.

Em seguida, ele mostrou que “os participantes realmente pareceram trabalhar mais” quando tomaram os medicamentos do que quando receberam um placebo. Eles também “passaram mais tempo resolvendo cada problema”, acrescentou.

Ao tomar os medicamentos, os participantes também fizeram mais movimentos durante cada tarefa e realizaram esses movimentos mais rapidamente do que quando fizeram as tarefas após o uso do placebo.

Portanto, esses medicamentos aumentaram a motivação”, disse o Dr. David. “Se você estivesse sentado observando essa pessoa, pensaria que ela estava se esforçando mais”.

No entanto, a produtividade, definida como o ganho médio em valor por movimento no problema da mochila, foi menor. A análise de regressão identificou uma “queda significativa e considerável na produtividade” em relação ao placebo, observou o Dr. David.

Isso ocorreu com o metilfenidato (P < 0,001), a dexanfetamina (P < 0,001) e a modafinila (P < 0,05), “tanto no desempenho médio quanto no mediano”, disse ele.

Detalhando um pouco mais, quando olhamos para o nível individual de cada participante, encontramos uma heterogeneidade substancial entre eles”, observou o Dr. David.

Mais do que isso, encontramos uma correlação negativa significativa entre a produtividade sob [efeito do] metilfenidato e a produtividade sob [efeito do] placebo, e isso sugere uma regressão à média”, na qual os participantes que tiveram um desempenho melhor com o placebo apresentaram um desempenho pior com o metilfenidato, explicou ele.

Embora a relação tenha sido “exatamente a mesma com a modafinila”, ela não ocorreu com a dexanfetamina, sendo verificada uma forte correlação negativa entre os efeitos da dexanfetamina e do metilfenidato sobre a produtividade (inclinação de –0,29; P < 0,0001).

Isso é surpreendente, pois se presume que o metilfenidato e a dexanfetamina funcionem de maneira muito semelhante”, disse o Dr. David.

Hora de repensar?

Convidado a comentar o estudo pelo Medscape, o presidente da sessão Dr. John F. Cryan, Ph.D., do departamento de anatomia e neurociência da University College Cork, na Irlanda, disse que, com base nos dados atuais, “talvez precisemos repensar o quão ´inteligentes` são os agentes psicofarmacológicos”.

O Dr. John, que também é presidente do Comitê Científico da ECNP, acrescentou que também pode ser necessário reavaliar a dificuldade dos diferentes tipos de tarefas cognitivas usadas em estudos que avaliam as propriedades de medicamentos estimulantes cognitivos e “repensar o conhecimento tradicional” a respeito deles.

Não foi informado nenhum financiamento para o estudo. O Dr. David Coghill informou vínculos com as empresas Medice, Novartis, Servier, Takeda/Shire, Cambridge University Press e Oxford University Press.

35º Congresso do European College of Neuropsychopharmacology (ECNP): Abstract OS02.04. Apresentado em 16 de outubro de 2022.

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