sábado, 9 de junho de 2018

AUTISMO - PESQUISADORES BRASILEIROS CRIAM MÉTODO PARA DETECÇÃO - 445

Pesquisadores brasileiros criam instrumento para rastrear autismo de forma rápida e barata
Teresa Santos (colaborou Dra. Ilana Polistchuck)
NOTIFICAÇÃO 6 de junho de 2018
Pesquisadores brasileiros desenvolveram uma ferramenta para rastrear autismo que pode ser utilizada em diferentes ambientes, inclusive na atenção primária. O instrumento, intitulado Observação Estruturada para Rastreamento de Autismo (OERA), pode ser aplicado em 15 minutos, por profissionais não especializados em autismo e tem baixo custo. A pesquisa de validação está publicada na edição de maio do Journal of Autism and Developmental Disorders[1]. A psicóloga Cristiane Silvestre de Paula, da Universidade Presbiteriana Mackenzie, e da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp), coordenou a pesquisa. Ela falou sobre o trabalho em entrevista ao Medscape.
Cristiane afirma que o diagnóstico do autismo exige dois tipos de avaliação: uma entrevista co5m os pais e uma observação estruturada da criança em situação clínica. O OERA se enquadra nesse segundo tipo.EÇÃO
Ferramenta é baseada na aplicação de jogos
Trata-se de um instrumento criado para medir marcadores comportamentais em crianças, entre três e 10 anos de idade, com transtorno do espectro autista[2]. A psicóloga explica que a ferramenta foi baseada na quinta edição do Manual Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais (DSM-5)[3], e testa basicamente dois aspectos: comunicação social e comportamentos restritivos e estereotipados.
A versão inicialmente elaborada pelos pesquisadores era composta de oito itens semiestruturados e 14 itens observacionais. Após o estudo de validação, a versão final ficou com os oito itens semiestruturados – (1) resposta ao nome, (2) iniciação da atenção compartilhada, (3) resposta de atenção compartilhada, (4) imaginação ('brincadeira simbólica'), (5) sorriso social, (6) nomeação de duas figuras, (7) compartilhamento de prazer na interação, (8) apontamento de objeto – e cinco itens observacionais – (9) ecolalia (repetição de palavras e frases faladas que ouve), (10) uso do corpo de outros para se comunicar, (11) apontar, (12) contato visual incomum e (13) expressões faciais direcionadas para os outros –, somando 13 itens no total.
O aplicador utiliza uma caixa lúdica para jogar com a criança. A atividade é filmada e depois avaliadores observam a gravação e pontuam. Os itens são dicotômicos, onde zero corresponde a um comportamento típico e um representa presença de sinal/sintoma de autismo. Uma pontuação igual ou maior que cinco é indicativa do transtorno do espectro autista, visto que esse ponto de corte foi o que apresentou maior sensibilidade (92,75%) e especificidade (90,91%) no estudo de validação.
OERA é capaz de diferenciar autismo de outras síndromes
A pesquisa de validação incluiu 99 crianças, sendo 76 com transtorno do espectro autista. Elas foram recrutadas em três clínicas especializadas da cidade de São Paulo. As outras 23 crianças não tinham autismo, porém 11 tinham deficiência intelectual e 12 tinham comportamento típico.
Profissionais não especializados (estudantes de graduação, psicólogos e geneticistas) foram treinados para aplicar a ferramenta. O treinamento presencial durou seis horas e incluiu explicação dos conceitos do transtorno do espectro de autismo abordados no OERA, informação sobre o processo de avaliação, e como gerenciar o comportamento durante o teste. Atualmente, houve um aprimoramento e o treinamento tem sido oferecido com sucesso em três horas. A pontuação foi feita de forma independente por dois profissionais especialistas em autismo que assistiram aos testes filmados. Eles não tinham conhecimento inicial sobre o diagnóstico das crianças avaliadas. A ferramenta permitiu acertar o diagnóstico das crianças em mais de 90% dos casos e, segundo a pesquisadora, foi sensível para diferenciar o autismo de outras síndromes.
Mais barato e mais simples que o padrão-ouro
Atualmente, o padrão-ouro em termos de avaliação observacional é o Autism Diagnostic Observation Schedule (ADOS)[4]. Segundo Cristiane, ele ainda está em processo de validação no Brasil, porém é um instrumento caro e extenso.
“A caixa lúdica utilizada no ADOS precisa ser importada (custa cerca de U$ 1,5 mil) e o treinamento também tem valor elevado (cerca de R$ 7 mil). Além disso, a avaliação demora entre 60 e 90 minutos e acaba não sendo factível para ser implementada no dia a dia da maioria dos serviços de atenção primária, sendo utilizada principalmente em pesquisas e em centros de referência. Nos demais lugares, utilizam-se mais ferramentas de rastreamento”, explica a especialista.
São três as principais ferramentas de rastreamento de autismo que também trabalham com crianças entre três e 10 anos de idade descritas na literatura: o Childhood Autism Rating Scale (CARS)[5], o Autism Mental Status Exam (AMSE)[6,7] e uma versão reduzida do ADOS[8,9]. Apenas o AMSE está validado no Brasil pelo grupo da UNICAMP[10]. Embora todas sejam ferramentas importantes, elas apresentam algumas limitações. Por exemplo, nenhuma fornece validade de constructo, tampouco traz evidências de invariância em populações com diferentes quocientes de inteligência (QI), sexo ou idade.
O OERA passou por validação de constructo, apresentando índices bons na análise fatorial confirmatória, e não apresentou função diferencial em termos de idade/sexo/QI. Quando comparado à ferramenta padrão-ouro (ADOS), o instrumento dos pesquisadores brasileiros é mais rápido, a aplicação dura 15 minutos, e mais barato (a caixa lúdica custa cerca de R$100).
Quando utilizar
As diretrizes internacionais e a Sociedade Brasileira de Pediatria orientam que durante uma entrevista pediátrica, ou quando a criança vai fazer uma vacina com 12, 18 meses de idade, já se deve começar a investigar se há alguma alteração no desenvolvimento. Além disso, o ideal, segundo a psicóloga, é que todo o profissional tenha formação adequada para perceber, pelo olhar da criança, que há algo de diferente nela.
“Nos casos de suspeita de alteração preconizamos que se utilizem os instrumentos de rastreamento disponíveis, tal como o OERA. Para fortalecer essa suspeita, importante complementar o OERA com instrumentos de rastreamento segundo entrevista com os pais, como o Autism Behavior Checklist (ABC) que está validado no Brasil[11]. Após a confirmação, o melhor é encaminhar a criança para uma equipe especializada”, esclarece a pesquisadora.
O atendimento especializado permitirá fazer a avaliação mais completa das potencialidades da criança e traçar um planejamento singular terapêutico.
O OERA pode ser aplicado, portanto, em casos suspeitos na atenção primária, por profissionais como pediatras e enfermeiros, com formação mínima na infância, após treinamento.
Ferramenta segue em aperfeiçoamento
Os pesquisadores vêm trabalhando no desenvolvimento do OERA há 10 anos. “Buscamos sempre desenvolver um material de alta sensibilidade, que seja acessível a toda a rede e com boa qualidade”, conta Cristiane.
Mas, a equipe segue aperfeiçoando o instrumento. Atualmente, está em andamento um estudo com três objetivos principais: 1) verificar se o profissional não especialista consegue fazer a pontuação; 2) investigar se o OERA pode ser aplicado em uma faixa etária ainda menor; e 3) checar se ele consegue detectar casos de autismo leve.
A questão da pontuação é importante, pois, segundo Cristiane, uma vez que o profissional não especialista seja capaz de pontuar as avaliações, haverá maior independência dos recursos de alta e média complexidade na avaliação inicial. Sobre a faixa etária, ela explica que embora o instrumento seja aplicável em crianças de três a 10 anos, a maioria dos participantes incluídos no estudo tinha cinco anos de idade.
“Vamos tentar agora com crianças a partir de dois anos de idade, pois quanto mais precoce é o diagnóstico, melhor”, destaca.
E, quanto à gravidade do transtorno, ela afirma que a maioria (cerca de 80%) das crianças com autismo analisadas no primeiro estudo tinha deficiência intelectual, representando casos mais graves.
“Assim, o objetivo nessa nova pesquisa é trabalhar a ferramenta em uma amostra na qual os casos leves sejam predominantes, a fim de identificar se ela consegue detectá-los: quanto mais leve o quadro, mais difícil é a detecção”, diz.
Referências
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Citar este artigo: Pesquisadores brasileiros criam instrumento para rastrear autismo de forma rápida e barata - Medscape - 6 de junho de 2018.

quarta-feira, 7 de fevereiro de 2018

Maconha e tratamento do Autismo. Há ciência por trás disso? (444)

AUTISMO E TRATAMENTO COM MACONHA.
Há ciência por trás disso?
Por Kelley L. Harrison, MA, BCBA, LBA-KS; Thomas Zane, PhD, BCBA-D
Departamento de Ciência Aplicada do Comportamento, Universidade de Kansas.
Nos últimos anos, houve um aumento do número de Estados que aprovaram leis que tornam legal o uso da maconha, tanto para fins medicinais quanto recreacionais. Coincidindo com essa tendência é o crescente número de relatos que sugerem que essa droga pode ser usada para tratar os sintomas do TEA – Transtorno do Espectro Autista, e outros problemas do desenvolvimento. Entretanto, não há nenhum estudo controlado que avalie os efeitos da maconha no TEA. Atualmente, o governo federal classifica a maconha e seus produtos derivados como droga “CLASSE I”, significando que não há nenhum reconhecimento formal de seu uso médico, e que há um alto potencial para o abuso (Academia Americana de Neurologia, 2017).
Estatísticas recentes mostram que a maconha é a segunda substância mais popular entre os adolescentes, depois do álcool. Uma crença popular é que a maconha seja relativamente inofensiva. Os usuários da maconha relatam euforia, aumento das interações sociais, aumento do apetite, aumento da insensibilidade à dor e ao desconforto, e aumento do relaxamento. Infelizmente, os pesquisadores identificaram vários efeitos adversos do uso da maconha, especialmente quando usada por adolescentes. Por exemplo, os adolescentes são mais susceptíveis à adicção. De fato, um em seis adolescentes que usam maconha se tornará viciado. A maconha também tem efeitos no desenvolvimento cerebral de qualquer um antes dos 21 anos, e está correlacionada a um QI mais baixo, a maior abandono da escola, a diminuição da satisfação e das conquistas, e ao aumento do risco de desenvolvimento de doenças mentais (esquizofrenia). Além disso, Ellison (2009) relatou que o tetraidrocanabinol (THC), o ingrediente ativo da cannabis, interfere com a memória, a concentração e a atenção, que são os principais indicadores para o diagnóstico do Transtorno de Deficit de Atenção e Hiperatividade (TDAH).
Composição da maconha e a lei atual.
A maconha é derivada da cannabis sativa, planta que contém mais de 60 compostos chamados canabinoides. O efeito euforizante associado ao uso da maconha é ativado pelo THC, que é considerado a maior substância psicoativa (Academia Americana de Neurologia, 2017). Outros compostos na maconha não têm uma influência psicoativa similar. A maconha pode ser fumada, ingerida e vaporizada como os e-cigarettes. Óleo de haxixe, que é uma forma altamente concentrada de maconha, contém concentração muito alta de canabinoides, e é de uso ilegal no presente.
Conforme o governo federal relaxa as leis relacionadas à legalidade da maconha, mais Estados têm autorizado o seu uso medicinal ou recreativo. Inicialmente, as leis permitiam que somente os adultos recebessem a droga. Entretanto, mais recentemente a FDA (United States Food and Drug Administration) aprovou canabinoides sintéticos derivados do THC para uso em crianças como estimulante do apetite, enquanto recebessem quimioterapia. Entretanto, é importante notar que essas versões sintéticas da droga não possuem propriedades psicoativas, e, por isso, acredita-se que sejam mais segurar para serem usadas.
Qual a ligação racional entre maconha e TEA?
Há algumas pesquisas publicadas que sugerem que a maconha pode aliviar a espasticidade e a dor generalizada em adultos, e alguns médicos estão começando a recomendar a maconha para crianças com problemas outros que não físicos (por exemplo, síndrome de Tourette, epilepsia, distonia, convulsões. Relatos isolados sugerem que a maconha pode aumentar a sociabilidade, intensificar a percepção, dar uma sensação de alentecimento do tempo, diminuir a agressividade e aumentar o apetite. Assim, em princípio, a maconha parece ser apropriada para uma série de comportamentos tipicamente associados a indivíduos com TEA (por exemplo: diminuição do apetite graves problemas de comportamento, incluindo agressão a outros ou a si mesmo, carência de habilidades sociais, incapacidade de manter a atenção. Autism Support Network, 2016).
Adicionalmente, os que propõem o uso da maconha argumentam que ela seja mais segura e que tenha menos efeitos colaterais que as outras medicações para controle de comportamento. Por exemplo, a Ritalina, medicação comumente receitada para o TDAH, que está associada a aumento dos tiques faciais, inibição do crescimento, depressão e insônia.
Qual a evidência científica do uso da maconha no Autismo?
Correntemente, existem somente depoimentos testemunhais que apoiam o uso da maconha para tratar o Autismo. Por exemplo, há grupos que advogam seu uso, tais como: “Mothers for Medical Marijuana Treatment for Autism”, “Mothers Advocating Medical Marijuana for Autism (MAMMA)” e “Pediatrics Cannabis Therapy”. Eles afirmam que a maconha pode reduzir a chance de graves episódios comportamentais e tornar o indivíduo mais sociável e mais receptivo ao aprendizado. Entretanto, esses grupos não citam nenhum estudo controlado que possa apoiar essas afirmações. Além disso, eles afirmam que a maconha melhora os padrões de sono e permite que os indivíduos estejam mais presentes em seus contextos imediatos, também sem nenhuma pesquisa substancial.
Na internet podem ser encontrados vídeos que sugerem uma relação entre o uso da maconha e significativas melhoras do comportamento, sociabilidade e de outras áreas do desenvolvimento (por exemplo, https://www.youtube.com/watch?v=ISJ0fsCacMA). [é: i esse jota zero efe esse…]. Uma revisão das pesquisas da internet retornará centenas de histórias e de testemunhos apoiando a hipótese de que a maconha foi a causa da melhora dos indivíduos com autismo. Entretanto, a realidade é simplesmente de que não há nenhuma evidência científica de que essa droga seja relacionada a qualquer melhora no desenvolvimento, no comportamento ou nas avaliações acadêmicas. Quer dizer, não há nenhum estudo controlado, que use os métodos científicos aceitos, que avalie o impacto da maconha em nenhum dos sintomas do autismo. Assim, fica claro que nesse momento, não se demonstrou que a maconha seja um tratamento eficaz para o autismo.
Quais são os riscos associados ao uso da maconha para tratar o TEA?
Mais preocupante que a falta de evidência para apoiar o uso da maconha no tratamento do autismo, são as grandes dúvidas sobre a maconha ser considerada segura ou não. A casuística contra o uso dessa droga é muito convincente. Muitos relatos médicos descrevem em detalhes o conhecido perigo da maconha e os possíveis danos físicos e psicológicos que ela pode causar. É tão grande a preocupação em relação à falta de pesquisas que apoiem uma influência positiva no autismo, nas dificuldades do desenvolvimento e em outros transtornos pediátricos do comportamento, e o potencial para dano físico e psicológico, que várias organizações profissionais publicaram declarações de posicionamento afirmando que a maconha deve ser considerada uma preocupação para a saúde pública, e recomendando que futura legalização da droga seja postergada até que mais pesquisas sejam concluídas (por exemplo: American Academy of Neurology, 2017; American Academy of Pediatrics, 2016; American Medical Association, 2008; American Society of Addictive Medicine, 2014; American Academy of Child and Adolescent Psychiatry, 2017). Por exemplo, a Academia Americana de Neurologia, em sua declaração de posicionamento de 2017, sobre o uso da maconha nas doenças neurológicas, deixa claro que não há nenhum estudo formal que apoie o uso da maconha e de seus derivados para melhorar várias condições neurológicas.
Além disso, há potenciais efeitos colaterais documentados, incluindo tonturas, ideação suicida, sensação de intoxicação, alucinações e mudanças de humor (algumas potencialmente irreversíveis).
Ademais, o uso crônico de maconha fora da área de necessidade médica,mtambém foi associado com perda de memória e dificuldades de aprendizado (American Academy of Neurology, 2017). Finalmente, a interação entre as drogas de receituário médico e a maconha não foram ainda muito bem estudadas e podem representar mais um risco.
Qual é o fim da linha?
No momento, não há nenhuma evidência que apoie o uso da maconha como um tratamento para o autismo. Isso, junto com os possíveis efeitos colaterais negativos, sugere fortemente que não devamos usar a maconha para o tratamento do TEA, ao menos até que a comunidade médica primeiro entenda que seja seguro. Entretanto, mesmo que se prove seguro, os profissionais vão precisar de pesquisas bem controladas, de alta qualidade, que usem a maconha como tratamento para o autismo. Esses estudos precisam avaliar os efeitos da maconha em comportamentos claramente definidos e cuidadosamente avaliados, para determinar qualquer impacto positivo e causal. Até que isso ocorra, está claro que o uso da maconha e de outros produtos relacionados com a cannabis está contraindicado para o tratamento do autismo. Por não haver nenhuma evidência científica de que a maconha seja benéfica para indivíduos com autismo, os pais e cuidadores de crianças com TEA devem pensar seriamente nos efeitos colaterais que podem ocorrer com o uso da maconha como um tratamento.

 O tratamento do autismo se distancia do “conserto” da condição Existem diferentes maneiras de ser feliz e funcionar bem, mesmo que seu cér...