Várias reportagens têm aparecido nos meios de comunicação sobre o uso excessivo de medicamentos estimulantes no Brasil . Recentemente, o site Midiamax publicou uma entrevista com uma médica pediatra da Unicamp. A quantidade de preconceitos e de conceitos equivocados, além da clara desinformação sobre o assunto, estampadas nas respostas às perguntas do jornalista, torna oportuna a transcrição do documento a seguir, produzido pelas maiores autoridades brasileiras em TDAH.
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O TDAH é subtratado no Brasil
Carta aos Editores (Revista
Brasileira de Psiquiatria)
Caro Editor,
A crescente conscientização
acerca do transtorno de déficit de atenção e hiperatividade (TDAH), seja
relacionada às campanhas financiadas por associações médicas, grupos de
autoajuda ou empresas farmacêuticas, está associada a um desejável aumento
progressivo no número de pacientes diagnosticados e tratados. Há, entretanto,
preocupações acerca do tratamento excessivo, particularmente em crianças e
adolescentes. Essas preocupações são muitas vezes conduzidas pela mídia, de
maneira alarmante.
Os estimulantes são a primeira linha
de tratamento para o TDAH em crianças em idade escolar, adolescentes e adultos.
O aumento recente nas vendas desses fármacos no Brasil atraiu a atenção da
comunidade para a possibilidade de tratamento excessivo. Para verificar se o número
total de estimulantes vendidos no Brasil em 2009 e 2010 corresponde a um número
maior que o esperado de pacientes com TDAH em tratamento, realizamos uma
análise dos dados disponíveis de duas empresas farmacêuticas no país que
estavam comercializando estimulantes durante esse período. Estimamos o número
de indivíduos que estariam sob tratamento contínuo, considerando que um paciente
tomaria apenas um comprimido por dia, (mesmo para metilfenidato 10 mg, de
liberação imediata, que deve ser administrado duas ou três vezes ao dia) por 22
dias por mês, durante 10 meses por ano. É importante observar que consideramos
o número mínimo de dias de uso para um tratamento adequado, ou seja, que todos
os pacientes interromperiam o uso de medicamentos também durante o verão e aos
fins de semana. Em 2009, 1.413.460
caixas de metilfenidato foram vendidas no Brasil, o que representa 32.986.110
comprimidos. Em 2010, 1.674.372 caixas de metilfenidato foram vendidas no
Brasil, o que representa 40.585.870 pílulas (dados fornecidos pela IMS/ Health
Care Measurement). Usando uma definição nossa bastante liberal de tratamento contínuo
(1 comprimido por dia, 22 dias por mês, durante 10 meses por ano), de acordo
com as normas de tratamento, calculamos que de 149.937 a 184.481 indivíduos
poderiam estar sob tratamento contínuo em 2009 e 2010, respectivamente.
Em seguida, calculamos o número
esperado de indivíduos com TDAH no Brasil, levando em conta os dados mais
atuais sobre a população oficial, fornecidos pelo IBGE (2010). Desta vez, para
fazermos uma análise extremamente conservadora, considerou-se a estimativa de prevalência
mais baixa detectada em um estudo epidemiológico brasileiro (0,9%) (Goodman et
al.1), apesar de recentes metanálises feitas mundialmente com taxas de TDAH de
aproximadamente 5,3% para jovens e 2,5% para adultos (Polanczyk et al. 2; Simon
et al.3). Segundo estas estimativas bastante conservadoras para o TDAH na
população, pelo menos 924.732 pessoas são afetadas pelo TDAH no Brasil (tabela
1).
Assim, calcula-se que somente
16,2 a 19,9% dos indivíduos afetados pelo TDAH no Brasil recebiam tratamento de
primeira linha para o transtorno em 2009-2010, mesmo através desse número
calculado de forma conservadora, que superestimou o número de pessoas recebendo
tratamento contínuo e subestimou o número de indivíduos com TDAH. Na verdade, o
número real é provavelmente ainda menor, pois estes estimulantes também têm
outras indicações, menos frequentes. É importante observar, no entanto, que
aproximadamente 30% dos pacientes com TDAH não reagem aos estimulantes, e devem
ser tratados com outros medicamentos; além disso, nem todos os pacientes com
TDAH precisam de intervenções farmacológicas. Contudo, nossas análises
extremamente conservadoras com certeza contrabalanceiam quaisquer consequências
desses dois aspectos. As preocupações de que um número excessivo de indivíduos
seria tratado com estimulantes para o TDAH em nosso país carecem de qualquer
base científica. Mais campanhas educativas são necessárias para identificar a
proporção significativa dos indivíduos com TDAH não tratados no Brasil.
Paulo Mattos, Professor Adjunto
de Psiquiatria, UFRJ;
Luis Augusto Rohde, Professor de
Psiquiatria, UFRGS;
Guilherme V. Polanczyk, Professor
Adjunto de Psiquiatria da Criança & Adolescente, USP
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Tabela 1
Número estimado dos indivíduos
com TDAH no Brasil: 924.732
Número estimado de pacientes com
TDAH sob tratamento em 2009: 149.937
Número estimado de pacientes com
TDAH sob tratamento em 2010: 184.481
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Rev Bras Psiquiatr.
2012;34:513-516 ©2012 Elsevier
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