O “The New England Journal of Medicine” publicou
recentemente um estudo excelente sobre essa questão. Como será discutido a
seguir, os resultados desse estudo sugerem fortemente que o tratamento
medicamentoso reduz a criminalidade em adultos com TDAH [Lichtenstein et al.,
(2012) Medication for Attention Deficit-Hyperactivity Disorder and Criminality,
New England Journal of Medicine, 367,2006-2014]
O estudo foi feito na Suécia, onde os “data bases” que
relacionam os diagnósticos psiquiátricos, as receitas para TDAH, e as sentenças
criminais são a condição ideal para conduzir uma grande investigação dessa
questão baseada na população.
Os autores começaram pela identificação de 25.500 indivíduos
nascidos antes de 1990, que tinham um diagnóstico documentado de TDAH no
“National Patient Register”; cerca de 9.000 eram do sexo feminino. Indivíduos
para comparação com cada um dos participantes foram identificados na população
por meio de um arquivo de dados que permitia aos pesquisadores pareá-los por
idade, sexo e localização geográfica.
Para todos os participantes, condenações por atos criminosos
entre 2006 e 2009 foram identificadas usando uma base de dados relativos à
criminalidade nacional. Durante o período, os membros da amostra estavam na
faixa de 15 a mais de 40 anos de idade.
Informações sobre o tratamento medicamentoso dos indivíduos
durante esse período de três anos foi obtido usando o Registro de Medicamentos
Receitados, um banco de dados nacional que inclui todas as receitas de
medicamentos feitas na Suécia. Os indivíduos eram considerados como recebendo
tratamento medicamentoso durante o intervalo de tempo entre duas receitas de
medicamento pata o TDAH, desde que essas receitas tivessem menos de 6 meses de
separação.
Por exemplo, se um indivíduo recebeu uma receita no Tempo 1
e uma segunda receita 3 meses mais tarde, no Tempo 2, o intervalo entre o Tempo
1 e o Tempo 2 era considerado um período de tratamento. Se o mesmo indivíduo
não recebesse uma terceira receita até 7 meses mais tarde, o intervalo entre
Tempo 2 e Tempo 3 seria considerado um período sem tratamento.
Aproximadamente 40% das mulheres e 50% dos homens com TDAH
nunca receberam medicação para o TDAH entre 2006 e 2009; menos do que 5% de
cada sexo foram tratados continuadamente. Os participantes restantes tiveram
períodos de tratamento e sem tratamento usando a definição explicada acima.
Resultados
Questão 1 – As taxas de condenação por crime são mais altas
entre adultos com TDAH comparados com os outros adultos?
A resposta a essa questão foi diretamente clara. Entre
homens, 36,6% foram condenados por ao menos um crime entre 2006 e 2009,
comparado com menos de 9% entre os homens sem TDAH. Entre as mulheres, as taxas
correspondentes foram de 15,4% e 2,2%.
Questão 2- O tratamento medicamentoso do TDAH reduz o
comportamento criminoso entre os indivíduos com TDAH?Os pesquisadores examinaram essa questão de duas maneiras. A primeira, pela comparação das taxas de comportamento criminoso que ocorreu durante todos os períodos de tratamento e sem tratamento, para todos os participantes com TDAH. Para os homens, a análise foi baseada em cerca de 56.000 períodos. Para as mulheres, foi baseada em cerca de 23.500 períodos. Pela comparação das datas das receitas para cada indivíduo com dados de que se envolveram em comportamento criminoso, os pesquisadores determinaram se os crimes aconteceram durante os períodos com tratamento e sem tratamento. (Nota: O número de períodos de tratamento e sem tratamento é maior do que o número de participantes porque cada participante pode ter tido múltiplos períodos com e sem tratamento, dependendo da frequência com que iniciaram e interromperam a medicação).
Os resultados foram claros – durante os períodos de
tratamento, a probabilidade de ser condenado por crime foi de aproximadamente
30% mais baixa para os homens e de 22% para as mulheres.
Análise intrapessoal
Uma das limitações da análise acima é que as comparações de
tratamento e não tratamento foram feitas entre indivíduos diferentes.
Indivíduos que consistentemente usam a medicação podem diferir em modos
importantes dos que não o fazem, e essas diferenças podem explicar melhor as
diferentes taxas de comportamento criminoso do que o tratamento medicamentoso.
Para corrigir essa potencial confusão, os pesquisadores
adotaram uma solução inteligente de comparação de taxas de comportamento
criminoso nos mesmos indivíduos durante os períodos com tratamento e sem
tratamento. Assim, nessa análise, cada pessoa essencialmente servia como seu
próprio controle. Com essa abordagem, se as taxas de comportamento criminoso
diferem dependendo de estar ou não ocorrendo o tratamento, será mais provável
que reflitam o efeito atual da medicação em vez de outras diferenças entre
indivíduos que são mais ou menos disciplinados no uso da medicação.
Por esse método, as taxas de comportamento criminoso foram
32% mais baixas nos homens durante os períodos de tratamento, comparadas aos
períodos sem tratamento; nas mulheres, a redução foi de 41%. Análises de
acompanhamento indicaram que essas reduções se mantinham não importando se
vistas de um período de tratamento para um período sem tratamento ou de modo
inverso. Reduções semelhantes foram encontradas não importando o período de
tratamento considerado ser o inicial ou os subsequentes.
Finalmente, os autores testaram se os achados eram
específicos para a medicação para o TDAH, ou se também ocorriam para outros
medicamentos psiquiátricos que os indivíduos com TDAH receberam; essa análise
centrou-se no uso de inibidores seletivos da captação da serotonina (SSRIs),
uma classe de medicamentos usada comumente para tratar depressão e ansiedade. Em
contraste com os resultados encontrados para os medicamentos para TDAH, não
havia nenhuma evidência de qualquer associação entre o tratamento com SSRIs e o
comportamento criminoso em adultos com TDAH.
Questão 3 – Há um efeito de longo prazo do tratamento com
medicação para o TDAH no comportamento criminoso?
As análises apresentadas acima sugerem que o comportamento
criminoso é menos provável de ocorrer durante os períodos em que o tratamento
medicamentoso está sendo feito. Outra questão importante é se o tratamento
medicamentoso fornece algum efeito protetor de longo prazo contra o
comportamento criminoso.
Para examinar essa questão, os autores testaram se o status
do tratamento medicamentoso em primeiro de janeiro de 2006 – o início da janela
de três anos – previa as taxas de comportamento criminoso durante 2009. Se o tratamento
medicamentoso produzia efeitos protetores de longo prazo, aqueles sob
tratamento nessa data de início deveriam ter taxas mais baixas de comportamento criminoso em 2009 do que os
que não estavam sob tratamento. Não houve nenhuma evidência de que fosse o
caso.
Resumo e Implicações
Os resultados desse estudo fornecem forte evidência de que o
tratamento medicamentoso para o TDAH reduz o risco de comportamento criminoso
em adultos durante os períodos em que o tratamento está sendo feito.
Entretanto, não há nenhuma evidência de que o tratamento forneça um efeito
protetor de longo prazo. Isso é consistente com muitos dados da literatura
sobre tratamento medicamentoso para o TDAH, isto é, qualquer benefício que
apareça tipicamente não persiste significativamente além do período de
tratamento.
A força desse estudo é que ele inclui uma grande e
nacionalmente representativa amostra; isso fornece grande confiabilidade aos
resultados que foram encontrados. Os autores também tiveram o cuidado de
afastar os fatores além do tratamento medicamentoso do TDAH que pudessem
explicar a redução do comportamento criminoso que era evidente durante os
períodos de tratamento. Isso incluiu o uso de análise intrapessoal, testando se
o grau de mudança do estado de medicação importava (ou não), e se efeitos
semelhantes foram encontrados para uma classe diferente de medicação
psiquiátrica (não foram).
Embora esses sejam aspectos importantes, os autores
reconhecem que por não ser um estudo controlado e randomizado, todos os fatores
que poderiam causar confusão não puderam ser efetivamente eliminados.
Entretanto, um estudo controlado e randomizado não poderia ser conduzido porque
não seria ético e seria impossível organizar grupos de adultos com TDAH para
tomar ou não a medicação por um período tão extenso.
Assim, um estudo como o aqui relatado representa o melhor
que alguém pode fazer.
Não foi fornecida nenhuma informação sobre o porque da
redução do comportamento criminoso pela medicação. Uma explicação é que o
funcionamento geral dos adultos era melhor quando tamando medicamento, e isso
reduzia seu engajamento em atos criminosos. Como muitos atos criminosos
resultam do comportamento impulsivo, a redução da impulsividade que a medicação
provavelmente produzia também poderia ser um fator de contribuição.
Os autores notam que como seu estudo foi feito na Suécia, é
necessário cuidado para assumir que achados semelhantes poderiam acontecer nos
Estados Unidos ou em outro lugar. Entretanto, não há nenhuma razão particular
para assumir que os resultados sejam únicos para a Suécia, pois a Suécia não
parece ser diferente em taxas de TDAH ou de tratamento do TDAH.
Finalmente, deve ser notado que os autores não levam em
conta se os tratamentos não medicamentosos para o TDAH poderiam ter um impacto semelhante no comportamento criminoso. Por exemplo,
o tratamento com terapia cognitiva comportamental foi comprovado ser de valia
para adultos com TDAH e pode trazer reduções semelhantes, ou mesmo maiores, no
comportamento criminoso. E, é possível que esse tratamento poderia ter efeitos
mais duradouros, pois novas habilidades são aprendidas. Essa seria uma questão
importante para se examinar em pesquisa subsequente; por ora, deve-se não
assumir que a medicação seja o único meio de se obter os benefícios aqui
relatados.Em resumo, os resultados sugerem que o tratamento medicamentoso para o TDAH abaixa significativamente a taxa de comportamento criminoso em adultos com o transtorno. Entretanto, não há nenhuma evidência de que o tratamento medicamentoso traga benefícios que durem além do tempo em que ele esteja sendo feito. Esses fatores são importantes para se considerar no planejamento do tratamento para adultos com TDAH, particularmente aqueles com história de comportamento antissocial. Em pesquisa futura, seria benéfico investigar se os tratamentos psicossociais podem produzir benefícios semelhantes.
Obrigado novamente por seu permanente interesse em nosso
boletim. Espero que tenha gostado do artigo acima e que lhe tenha sido útil.
Sinceramente,
Dr David Rabiner, Ph.D.,
Research Professor, Dept. of Psychology & Neuroscience, Duke University,
Durham, NC 27708