Referências literárias a indivíduos com graves problemas
de desatenção, hiperatividade e fraco controle do impulso remontam a
Shakespeare, que fez referência a uma doença da atenção em King Henry VIII. Uma criança hiperativa foi o foco de um poema
alemão, "Fidgety Phil", escrito
por um médico, Heinrich Hoffman, por volta de 1880.
Em 1890, William James, em
seu livro Principles of Psychology, descreveu
uma variante normal do caráter, que ele denominou de "disposição
explosiva", que se assemelha às dificuldades apresentadas pelos que
atualmente são chamados de TDAH.
Porém, o primeiro artigo na literatura médica sobre
os transtornos da atenção, tais como o TDAH, foi um curto capítulo sobre esse
problema, em um livro de texto médico (no início publicado anonimamente)
escrito por Melchior Adam Weikard, em 1775. Weikard era um brilhante médico
alemão que descreveu os sintomas de distração, fraca persistência, ações
impulsivas e desatenção em geral, muito semelhantes aos sintomas utilizados
atualmente para descrever a desatenção associada ao TDAH.
Esse texto foi
seguido por outro, do médico escocês Alexander Crichton, em 1798, que forneceu
descrições ainda mais detalhadas desse tipo de desatenção, assim como identificando
um segundo transtorno da atenção tido como relacionado ao poder de focalizar a
atenção. O interesse mais sério em relação ao TDAH não aconteceu novamente até
o aparecimento de três apresentações diante da Royal Academy of Physicians
feitas pelo médico George Still, em 1902.
Still relatou sobre um grupo de 20 crianças de sua
clínica, que eram definidas como portadoras de um déficit da "inibição
volitiva", que levava a um "defeito do controle motor" sobre seu
próprio comportamento. Descritas como agressivas, exacerbadas, sem regras,
desatentas, impulsivas e hiperativas, muitas dessas crianças seriam,
atualmente, diagnosticadas não somente com TDAH mas, também, com transtorno de
oposição e desafio (TOD). As observações de Still foram muito astutas, descrevendo
muitas das características associadas do TDAH, as quais viriam a ser
corroboradas pelas pesquisas do século seguinte:
(1) um predomínio do sexo
masculino (taxa de 3:1 na amostra de Still);
(2) alta comorbidade com conduta
anti-social e depressão;
(3) uma associação com alcoolismo, conduta criminosa e
depressão entre os parentes biológicos;
(4) uma predisposição familiar para o
transtorno, provavelmente uma origem hereditária;
(5) ainda com a possibilidade
do transtorno também aparecer por lesão adquirida do sistema nervoso central.
O interesse nessas crianças cresceu na América do Norte
por volta da época da grande epidemia de encefalite de 1917-1918. As crianças
sobreviventes dessas infecções cerebrais tinham muitos problemas de
comportamento, semelhantes àqueles do TDAH contemporâneo. Esses casos, e outros
sabidos como tendo aparecido por trauma de parto, trauma de crânio, exposição a
toxinas, e infecções, deram nascimento ao conceito de síndrome da criança com
lesão cerebral (Strauss & Lehtinen, 1947), geralmente associada a retardo
mental, que eventualmente se tornaria aplicado a crianças que manifestassem
esse mesmo comportamento, mas sem evidência de dano cerebral ou de retardo
mental. Esse conceito evoluiu para o de lesão cerebral mínima, e eventualmente
para disfunção cerebral mínima, conforme as críticas eram dirigidas ao rótulo
original em vista da carência de evidências de lesão cerebral óbvia na maioria
desses casos.
Entre 1950 e 1970, o foco mudou para longe da etiologia e
em direção ao comportamento mais específico da hiperatividade e fraco controle
do impulso, que caracterizam essas crianças, refletido em rótulos como
"transtorno hipercinético impulsivo" ou "síndrome da criança
hiperativa". O transtorno foi tido como surgindo de uma super-estimulação
cortical devido a fraca filtração talâmica dos estímulos que chegavam ao
cérebro. A despeito da crença contínua entre os clínicos e pesquisadores dessa
época de que a condição tinha algum tipo de origem neurológica, a grande
influência do pensamento psicanalítico mantinha o domínio. Assim, quando do
aparecimento da segunda edição do DSM, todos os transtorno das crianças foram
descritos como "reações", e a síndrome da criança hiperativa
tornou-se a "reação hipercinética da infância".
O reconhecimento de que o transtorno não era causado por
lesão cerebral pareceu seguir um argumento semelhante feito algo mais
anteriormente pela eminente psiquiatra da infância, Stella Chess, em 1960. Ele
estabeleceu uma grande separação entre os profissionais da América do Norte e
os da Europa, que continua, em menor extensão, até o presente. A Europa
continua a ver a hipercinesia, por quase toda a segunda metade do século 20,
como uma condição relativamente rara de extrema hiperatividade, geralmente
associada a retardo mental ou a evidência de dano cerebral orgânico. Essa
discrepância de perspectivas tem convergido nas últimas décadas, como evidente
na semelhança de critérios do DSM-IV e os do CID-10, da Organização Mundial da
Saúde, em 1994. Todavia, o modo como os clínicos e os educadores vêem o
transtorno permanece muito diferente; na América do Norte, Canadá e Austrália,
tais crianças têm TDAH, um transtorno do desenvolvimento, enquanto na Europa
elas são vistas como tendo um problema ou transtorno de conduta, um distúrbio
de comportamento tido como surgindo principalmente de disfunção familiar e de
desvantagens sociais.
Nos anos 70s, a pesquisa enfatizou os problemas com a
sustentação da atenção e o controle do impulso, além da hiperatividade. Douglas
teorizou que o transtorno tinha 4 déficits principais: (1) o investimento,
organização e manutenção da atenção e do esforço; (2) a habilidade de inibir o
comportamento impulsivo; (3) a habilidade de modular os níveis de atenção para
atingir as demandas situacionais; e (4) uma inclinação forte e incomum para
obter o reforço imediato. A ênfase de Douglas na atenção e os numerosos estudos
de atenção, impulsividade e outras sequelas cognitivas que seguiam,
eventualmente levaram a renomear o transtorno como transtorno de déficit de
atenção (TDA). Significativa, do ponto de vista histórico, foi a distinção da
DSM-III entre dois tipos de TDA: os com hiperatividade e os sem ela. Existia
pouca pesquisa, naquela época, em relação ao segundo subtipo, que suportasse a
feitura de tal distinção em taxonomia diagnóstica oficial e com prestígio
crescente. Porém, em retrospectiva, essa vaga afirmação levou a pesquisa de
valor sobre as diferenças entre essas duas supostas formas de TDA, que, de
outro modo, nunca teria sido evidenciada. Essa pesquisa pode ter sido acidental,
como pode ter levado à conclusão que uma parte dos que têm TDA sem
hiperatividade podem na verdade exibir um outro transtorno separado, distinto e
qualitativamente único, em vez de um subtipo do TDAH; um transtorno nomeado
como "sluggish cognitive tempo" (SCT).
Mesmo assim, depois de poucos anos da criação do nome
TDA, apareceu a preocupação de que importantes características da
hiperatividade e do controle do impulso estavam sendo menos valorizadas,
quando, de fato, elas eram de importância crucial para diferenciar o transtorno
de outras condições e para prever os riscos de desenvolvimento mais tardio. Em
1987, o transtorno foi renomeado como Transtorno de déficit de atenção e
hiperatividade, no DSM-III-R, e uma lista única de itens incorporando todos os
três sintomas foi especificada. Também foi importante a colocação da condição
TDA sem hiperatividade, renomeada transtorno de déficit de atenção
indiferenciado, em uma secção separada do TDAH no manual, com a especificação
de que existia pesquisa insuficiente para guiar a construção de critérios de
diagnóstico para ela, naquela época.
Durante os anos 80s, os relatos focalizavam os problemas
com a motivação em geral e a falta de sensibilidade para responder às consequências,
especificamente. A pesquisa demonstrava que sob certas condições de recompensa
contínua, o desempenho de crianças com TDAH era geralmente indistinguível do
das crianças normais, em várias tarefas de laboratório, mas quando os pacientes
que recebiam reforço eram colocados em reforço parcial ou em condições de
nenhum reforço, as crianças com TDAH mostravam significativo declínio em seu
desempenho. Também foi observado que déficits no controle do comportamento por
regras caracterizavam essas crianças.
Na década seguinte, os pesquisadores empregaram
paradigmas de processamento da informação para estudar o TDAH e descobriram que
os problemas na percepção e no processamento da informação não eram tão
evidentes quanto os problemas com a motivação e a inibição da resposta. Os
problemas com a hiperatividade e a impulsividade também foram vistos como uma
única dimensão do comportamento, o que foi descrito por alguns como
"desinibição".
Tudo isso levou à criação de duas listas separadas,
mas altamente correlacionadas, de sintomas e limiares para o TDAH, quando a
DSM-IV foi publicada mais tarde, naquela década; uma para desatenção e outra
para o comportamento hiperativo e impulsivo. Diferente de sua antecessora,
DSM-III-R, o estabelecimento da lista da desatenção mais uma vez permitiu o
diagnóstico de um subtipo de TDAH que consistia principalmente em problemas com
a atenção (TDAH do tipo predominantemente desatento). Também permitiu, pela
primeira vez, a distinção de um subtipo de TDAH que consistia principalmente de
comportamento hiperativo e impulsivo, sem desatenção significativa (TDAH do
tipo predominantemente hiperativo-impulsivo). Crianças com problemas
significativos em ambas as listas de itens, que constituem a maioria dos
pacientes, foram intituladas de TDAH do tipo combinado.
Atualmente isso foi superado pelo desenvolvimento e
publicação do DSM-V, em 2013. Ele contém várias alterações discutidas em mais
detalhes em outro capítulo desse curso. Basta dizer aqui que embora os mesmos
sintomas permaneçam como no DSM-IV, o esclarecimento deles para crianças mais
velhas (adolescentes) e adultos foram adicionadas em parênteses junto a cada
sintoma, a idade de início foi aumentada para 12 anos, um nível mais baixo de
limiar de 5 sintomas foi requerido dos adultos (em vez dos tradicionais 6
sintomas usados para crianças), e os subtipos foram eliminados, uma vez que a
pesquisa nos 18 anos anteriores não achou que eles eram confiáveis e estáveis
no decorrer do desenvolvimento, válidos e, por isso, úteis. Quer dizer, são
inúteis. O TDAH, agora, é reconhecido como um transtorno único, que varia de
gravidade em meio às duas altamente relacionadas dimensões de sintomas, em vez
de compreender três tipos distintos do transtorno. Atualmente os clínicos
simplesmente especificarão qual grupo de sintomas é mais predominante pela
qualificação do diagnóstico com uma "apresentação", tal como "apresentação predominantemente desatenta".
A discussão sadia continua até o presente a respeito do
núcleo deficitário no TDAH, com peso aumentado sendo dado aos problemas com a
inibição do comportamento, auto-regulação, e o domínio relacionado das funções
executivas, assim como a dificuldade de esperar pelos acontecimentos e os
mecanismos energético-cognitivos. Os
sintomas da desatenção podem na verdade ser a evidência de uma memória de
trabalho deficiente e não de problemas com a percepção, filtragem ou seleção
das aferências. Da mesma forma, continua a controvérsia sobre o lugar de um
subtipo composto primariamente por uma forma distinta de desatenção, chamada
"sluggish cognitive tempo" (SCT), que é composta de sonhar acordado,
olhar perdido no espaço, processamento lento, letargia e hipoatividade, dentro
da condição maior do TDAH, com alguns argumentando que para ele ser um novo e
único transtorno diverso do TDAH. O SCT não aparece no DSM-V porque mais
pesquisa é necessária para que essa condição seja identificada com justiça como
um novo transtorno psiquiátrico.
Entretanto, a pesquisa feita até o momento parece estar
bem no caminho de fazer isso.
Russel A. Barkley
http://www.continuingedcourses.net/active/courses/course003.php
[Se você, que tem TDAH, conseguiu ler até o fim, parabéns.]