sábado, 4 de agosto de 2012

227- Não livre Arbítrio


A escolha, como autocontrole, exerce poder de veto sobre os impulsos.

Por Michael Shermer (Scientific American, August 2012, Skeptic pg. 73)
Recentemente, em um restaurante, enfrentei muitas tentações: uma forte cerveja escura, um petisco de escargot amanteigado, um bife marmorizado e uma torta de queijo. As redes neurais do meu cérebro, que evoluíram para produzir a emoção da fome de alimentos doces e gordurosos, que no meio ambiente dos nossos ancestrais eram raros e energéticos, estavam disparando impulsos elétricos para que eu fizesse aquelas escolhas. Competindo com elas, havia sinais de outras redes neurais que evoluíram para me tornar cuidadoso a respeito de minha saúde futura, em particular como eu vejo a imagem do meu corpo por uma questão de status entre os homens e de atração em relação às mulheres, e em quanto eu me sentiria lerdo depois de uma refeição rica, e, também, em quanto teria de me exercitar para queimá-la. Acabei pedindo uma cerveja light, salmão e uma salada com vinagrete, e dividi ao meio, com minha companhia, uma torta leve de chocolate.
Estava eu livre para fazer essas escolhas? Segundo o neurocientista Sam Harris no seu novo livro Free Will (Livre Arbítrio) (Free Press, 2012), eu não estava. “Livre Arbítrio é uma ilusão”, escreve Harris. “Nossas escolhas simplesmente não são feitas por nós”. Cada etapa da cadeia de eventos acima é totalmente determinada por forças e condições que não são de minha escolha, desde as minhas preferências evoluídas do paladar até minhas preocupações aprendidas sobre status social, as vias causais  foram estabelecidas por meus ancestrais e por meus pais, pela cultura e sociedade, grupos de colegas e amigos, mentores e professores, e a contingência histórica, indo até meu nascimento, e antes.

A neurociência apoia esta crença. O recém-falecido fisiologista Benjamim Libet observou, em registros de EEG (eletroencefalograma) de indivíduos engajados em tarefas que requeriam que apertassem um botão cada vez que sentissem vontade, que meio segundo antes que a decisão fosse conscientemente feita o córtex motor se tornava ativo. As pesquisas estenderam o tempo entre a ativação subcortical do cérebro e a consciência da decisão para um total de sete a dez segundos. Uma nova pesquisa encontrou atividade em uma pequena aglomeração de 256 neurônios que permitia aos cientistas prever com 80% de acerto qual seria a escolha do indivíduo antes que ele mesmo soubesse. Muito parecido com isso, logo antes que eu ficasse consciente da minha escolha do cardápio, parte do meu cérebro já havia feito a escolha. “Pensamentos e intenções emergem de causas que estão em segundo plano, ou das quais não temos consciência e sobre as quais não temos nenhum controle consciente”, conclui Harris. “Não temos a liberdade que pensamos ter”.
Muito verdadeiro. Mas, se definimos livre arbítrio como “o poder de fazer de outro jeito”, a escolha de vetar um impulso em relação a outro é “não livre arbítrio”. O não livre arbítrio é o poder de veto sobre inúmeros impulsos neurais que nos induzem a fazer algo de alguma maneira, de modo que a nossa decisão de fazer de outra maneira seja uma escolha real. Eu poderia ter escolhido o bife – e escolhi – mas me engajando em certas técnicas de autocontrole que me lembravam de outros impulsos competitivos, escolhi uma seleção em lugar da outra.

O apoio para esta hipótese pode ser encontrado em um estudo de 2007 no Journal of Neuroscience, feito pelos neurocientistas Marcel Brass e Patrick Haggard, que empregaram  uma tarefa semelhante à usada por Libet, mas na qual os indivíduos podiam vetar sua decisão inicial de apertar o botão até o último momento. Os cientistas descobriram uma área específica do cérebro chamada córtex frontomedial dorsal esquerda que se tornava ativada durante esta inibição intencional de uma ação: “Nossos resultados sugerem que a rede neural do cérebro humano para a ação intencional inclui uma estrutura de controle para a inibição auto-induzida ou para a suspensão de ações intencionais”. Isto é não livre arbítrio.
Além disso, um sistema tem “graus de liberdade”, ou uma faixa de opções que podem resultar de sua complexidade e do número de variáveis que intervêm. Formigas têm poucos graus, ratos têm mais, chimpanzés muito mais ainda, humanos o mais que todos. Algumas pessoas – psicopatas, portadores de lesão cerebral, os gravemente deprimidos ou os dependentes químicos – têm menos graus do que outros, e a lei se ajusta para a sua diminuída capacidade de responsabilidade legal e moral.

Esses impulsos neurais que vetam, em um complexo sistema com muitos graus de liberdade, são parte do universo determinístico. Pensar a vontade como um componente da rede causal permite-nos recolocar a responsabilidade em seu lugar correto na sociedade civil.

quinta-feira, 2 de agosto de 2012

226- Desenvolvimento do Cérebro na Infância: Aprendizado e Comportamento


Professora Dra. Maria Valeriana Moura-Ribeiro

O desenvolvimento físico geral na criança tem efeito importante para as competências e habilidades na vida adulta. Evidências crescentes de investimentos no período inicial da vida da criança, nas gestantes envolvendo o concepto, repercutem na cognição, aprendizado e comportamento.

A melhoria das condições nutricionais, do controle de infecções, da redução numérica de integrantes da família, condicionou redução da mortalidade; melhorou a expectativa de vida; aumentou a estatura média da população, com benefícios visíveis no adulto.
Que fatores relacionados à vida inicial, beneficiariam a saúde mental e física das crianças no transcorrer da primeira infância?
Na formação normal do sistema nervoso e, em particular do neocórtex humano, está bem caracterizada a multiplicação neuronal (neuronogênese), migração (radial, horizontal), amadurecimento neural glial, dos vasos sanguíneos, mielinização, organização de redes neurais com progressivo aumento da conectividade nas idades chaves de crianças.
As vivências envolvendo fenômenos adversos em idade precoce (intra útero e nos primeiros anos de vida) podem interferir no constructo biológico estrutural e funcional, modificando constituintes neuroquímicos.
Conhecendo a multiplicidade de áreas inter-relacionadas, com funcionalidade dinâmica bioquímica (neurotransmissores, aminoácidos, micro elementos) é possível compreender o impacto de experiências com agentes agressores em qualquer das etapas (embrionária, fetal e neonatal).

As pesquisas realizados em animais e seres humanos, têm oferecido evidencias substanciais dos efeitos da nutrição, das experiências nos primeiros anos de vida, sobre o desenvolvimento cerebral, com repercussão nas habilidades de enfrentamentos, comportamento e, na saúde geral, nos estágios evolutivos sequenciais da vida.

O desenvolvimento cerebral normal e as experiências no transcorrer da primeira infância, têm sido melhor compreendidas com estudos da psiconeuroendocrinologia e psiconeuroimunologia. Estímulos sensoriais externos ou internos ao cérebro, através do sistema glandular, hipotálamo-pituitário-adrenal (HPA), podem determinar produção ampliada de corticosteróides e comprometimento expressivo do sistema nervoso autônomo.
Os níveis e a duração desses esteróides no sangue afetam sistemas e órgãos, incluindo o cérebro, que por sua vez, por retro alimentação, regula a liberação de esteróides.
Nesse processo, existe comprometimento de circuitos neurais envolvendo hipocampo e sistema límbico, e dessa forma, influenciando o comportamento, a função cognitiva com envolvimento dos mecanismos de memória. O hipocampo constitui estrutura participante ativa, não somente do sistema límbico-hipotalâmico-pituitária-adrenal-cortical, como também do córtex pré-frontal. Os níveis elevados, crônicos de esteróides, podem causar perdas de neurônios no hipocampo, com repercussão na memória e comportamento.

Vários estudos realizados em animais, e observações em seres humanos, têm conclusivamente revelado que as conexões e o amadurecimento cerebral, se mantêm com dinamicidade expressiva durante os primeiros anos de vida.
No entanto, esta situação pode ser substancialmente afetada pela redução de estímulos recebidos no transcorre do neurodesenvolvimento, com projeção na qualidade do aprendizado acadêmico.
Todavia, esses efeitos não são radicais, podendo ocorrer reversão funcional dinâmica frente aos estímulos direcionados à reabilitação nos períodos sensíveis, em função da organização de novas interconexões neuronais. Essas constatações têm sido validadas em experimentos envolvendo circuitos sensoriais, visuais, auditivos, entre outros.

Os recentes estudos através de imagens no cérebro humano (ressonância magnética funcional, tratografia e tomografia por emissão de pósitron), têm revelado que o desenvolvimento cerebral é muito ativo nos primeiros anos de vida, com declínio dessa atividade na segunda década, registrando valores funcionais semelhantes aos evidenciados nos adultos.
Concomitantemente, é necessário reconhecer a influência, sobre a primeira infância, da interação de genes, ambiente e efeitos imunológicos. Nessa abordagem, estudos em macacos Rhesus, sob condição de estresse, caracterizou o desenvolvimento de ansiedade e depressão, particularmente quando separado da mãe. Nessa situação, foram identificados elevados níveis de esteróides, baixo níveis de serotonina no cérebro, com comprometimento do ritmo circadiano.

Concluindo, o desenvolvimento inicial no ser humano, depende das experiências precoces, recebendo influência da nutrição e dos estímulos proporcionados pelos pais e ambiente.
REFERÊNCIAS
Chugani HT, Phelps ME, Mazziotta JC, 1987. Positron Emission Tomography Study of Human Brain Functional Development. Annals of Neurology 22(4):487-97.
Moura-Ribeiro MVL, 2012. Primeiras Experiências e Consequência no Neurodesenvolvimento de Crian-ças. In:Riechi e Moura-Ribeiro: Desenvolvimento de Crianças Nascidas Pré-Termo / Interface Biopsicos-social. Ed. Revinter.

terça-feira, 31 de julho de 2012

225- Simplifique sua vida de TDAH aprendendo a dizer "NÃO"


Não importa a solicitação, adultos com TDA têm dificuldade de dizer não aos outros. Aqui, descubra como adultos TDA podem evitar a sobrecarga de compromissos e a exaustão aprendendo como dizer gentilmente "não".

Por Sandy Maynard - ADDitude

Você, adulto portador de TDA, já se pegou alguma vez falando "Onde eu estava com a cabeça?", depois de ter concordado em fazer alguma coisa que você realmente não queria ou que não tinha tempo para fazer? Há coisas no TDA do adulto que tornam difícil para nós dizermos não. Em primeiro lugar, geralmente dizemos sim a algo que parece bom, antes de pensar melhor no assunto. Em segundo lugar, nosso interesse é tão variado que não conseguimos escolher - então, dizemos sim a tudo.

E há a impaciência. Não queremos esperar até que as nossas oito semanas de aula de dança terminem para nos inscrevermos em aulas de teatro. Enchemos nossa agenda com coisas importantes, interessantes e divertidas para fazer, mas ficamos muito esgotados para aproveitar cada uma delas.

Cristina conhece bem esse sentimento. Ela tem TDA e admite que adora a parte hiperativa do seu diagnóstico de TDAH. Ela tem uma reserva sem fim de energia e está sempre à toda, desde o raiar do dia até o anoitecer. É a primeira pessoa que a família e os amigos pensam em chamar quando precisam de um favor. Ela tem dificuldade de dizer não e tem uma tendência a ficar sobrecarregada de tarefas.

Cristina veio me ver depois de sua vida sair de controle. Ela estava vivendo com seis horas de sono e, além de sua agenda sobrecarregada, estava ajudando sua mãe a se mudar para um asilo da velhice. Tudo lhe parecia igualmente urgente e importante. Eis aqui algumas das poucas sugestões que eu fiz para ajudar Cristina a aprender a dizer não e a ter o controle de sua vida de volta, sem falar das oito horas de sono profundo.

Estabeleça prioridades e pratique o dizer não

1- Demore um tempo para tomar uma decisão. A impulsividade e a hiperatividade fazem dois segundos parecer uma eternidade. Respire fundo, faça uma pausa e responda: "Gostaria de pensar sobre a oferta e lhe telefonar de volta". Durma sobre o assunto se precisar.

2- Faça uma lista das prioridades - em ordem de importância. Para muitos de nós, tudo parece importante e estabelecer prioridades pode ser tão doloroso quanto tentar prestar atenção a uma aula chata. Para Cristina, entretanto, foi fácil. Ela adora sua mãe e valoriza sua relação acima de tudo. Pondo isto no topo da lista tornou mais fácil renunciar às coisas seguintes.

3- Treine dizer não às coisas fáceis. Um bom começo seria dizer aos que telefonam pedindo ou oferecendo coisas que você não quer mais ser chamada. Treine seu jeito de dizer não - civilizadamente, é claro - para o seu marido ou para o seu chefe.

Como dizer não

4- Seja breve. Uma indicação difícil para mentes que turbilhonam como o fogo em meio a uma floresta seca, mas que pode ser feita se você alentecer todos aqueles pensamentos que dançam em seu cérebro. Em vez de explicar porque você não pode ir a uma festa tarde da noite para um colega que está se mudando, diga somente, "Sinto muito, mas tenho de estar em casa mais cedo". Quanto mais razões você arrumar para dizer a alguém porque você não pode fazer algo, mais fortemente a pessoa vai tentar lhe convencer de que você pode.

5- Seja incondicional quando disser não. Usar as palavras "talvez", "mas" e "se" não dará certo. Isto acontece quando pensamos alto. É melhor pensar, decidir e falar - nesta ordem.

E, Lembre-se:

6- Não diga sim apenas para ser gentil. Alguns de nós sentimos que temos de nos exceder para tornar melhor as coisas quando tivermos perdido o controle de algo ou feito algo impróprio. Não temos. Quando solicitado a vender bilhetes de rifa diga "Não, não gosto de fazer isso, mas vou comprar alguns". É um modo de dizer não sem ofender ninguém.

7- Você não é indispensável. O mundo não vai parar se você não atender a cada vez que for solicitado. Embora seja tentador assumir novas responsabilidades para manter as coisas excitantes, resista à urgência de fazê-lo. Mesmo que você saiba que faz melhor o trabalho, deixe alguém mais fazê-lo por uma vez.

8- Você pode mudar sua mente. E se você disse sim e agora quer dizer não? Tudo bem em renunciar. Cristina já tinha concordado em co-dirigir um importante evento da comunidade quando, inesperadamente, apareceram  novas responsabilidades em relação aos cuidados com sua mãe. Quando ela juntou a coragem para falar aos outros membros da comunidade sobre recusar o trabalho, todos eles entenderam completamente - e algumas pessoas se ofereceram para tomar o seu lugar.

Serei a primeira a admitir que não é fácil dizer não. Aprendi uma coisa, entretanto, é que a honestidade e a integridade sempre são respeitadas quando aceitamos ou recusamos um convite. Quando você junta suas decisões aos seus valores, os resultados nunca são desapontadores para você, sua família ou seu amigos.

-------------------------------------------------------------------------------------------------

12 modos inteligentes de recusar (por Ramona Creel, onlineorganizing.com)

1. Estou no meio de vários projetos

2. Não fico à vontade com isto

3 Não estou assumindo mais nenhuma responsabilidade

4. Não sou a pessoa mais qualificada para este trabalho

5. Não gosto deste tipo de trabalho

6. Não tenho mais nenhum horário em minha agenda

7. Odeio dividir minha atenção entre projetos

8. Sei que você fará um excelente trabalho por si mesmo

9. Preciso deixar algum tempo livre para mim mesmo

10. Eu realmente ajudaria se fosse um outro trabalho

11. Não tenho nenhuma experiência com isso

12. Tenho outro compromisso

quarta-feira, 25 de julho de 2012

224- É TDAH ou Menopausa?



Como a menopausa afeta a memória, atenção e os relacionamentos conforme a mulher envelhece. Mais, os sintomas que você tem apresentado são relacionados com o transtorno de déficit de atenção (TDAH), menopausa ou ambos? Edward Hallowell M.D. - ADDitude - 2012

Você "tem uma certa idade" e de repente sua memória tem tantos furos que você acha que tem "cérebro de queijo suíço". Você perde coisas com mais frequência e se perde em sus pensamentos, distraída numa fração de segundo. Mulheres diagnosticadas com TDAH às vezes ficam em pânico, preocupadas com a piora dos seus sintomas. As mulheres que não foram ainda diagnosticadas com TDAH e que sentem esses sintomas muitas vezes debilitantes perguntam aos seus médicos "O que está acontecendo? Tenho TDAH ou  Alzheimer?"
Mesmo que você não tenha TDAH, a menopausa influencia tudo! Depois da "mudança", os níveis de estrogênio caem cerca de 65%, o que afeta a captação de dopamina e de outros neurotransmissores. Menos estrógeno significa níveis mais baixos de dopamina e serotonina, causando o aparecimento de sintomas parecidos com os do TDAH: dificuldade crescente para se concentrar, disfunção de memória e problemas cognitivos, e menor clareza mental. Se você tiver TDAH, a maior queda da dopamina, abaixo dos seus níveis já diminuídos, significa que os sintomas existentes vão piorar e que novos sintomas aparecerão.

Esses sintomas são da menopausa ou do TDAH?

Algumas mulheres que têm TDAH não diagnosticado por toda sua vida, com a piora dos seus sintomas, procuram os médicos procurando respostas. Mas os sintomas parecidos com o TDAH nem sempre indicam a presença do transtorno. Se os seus sintomas apareceram só recentemente (e eles não estavam presentes desde a infância), então, a menopausa é provavelmente a culpada. Fale com seu médico sobre o controle dos sintomas.
Se você foi diagnosticada com TDAH, os efeitos da menopausa sobre o transtorno geralmente vão requerer ajustes. Converse com seu médico sobre o aumento da dosagem dos medicamentos, ou tente medicamentos com duração da ação prolongada, faça mais exercícios ( o que aumenta o foco e diminui as chances de ter osteoporose) e considere a terapia hormonal. Para muitas mulheres, o melhor tratamento é o estrogênio, por 3 a 4 meses, seguido por 10 dias de progesterona.

A complicação é que 85% das mulheres sentem alguma disfunção sexual após a menopausa. Logo quando você poderia usar o humor e o apoio do seu companheiro para lidar com seu "cérebro de queijo suíço", você descobre que seu relacionamento fica mais tenso.

Siga em frente

É importante que em cada estágio de sua vida os sintomas do TDAH sejam mantidos sob controle. Isto significa trabalhar com vários profissionais - um psicólogo, um clínico geral e um ginecologista. Eduque-se a respeito do TDAH e do que está acontecendo com o seu corpo, mantenha lista de medicamentos e anote os seus sintomas. Os médicos raramente levam em conta as flutuações hormonais quando fazem um plano de tratamento.
Se você tiver dificuldade em prestar atenção, de manter-se organizada e de manter sua vida em ritmo estável, um profissional poderá prescrever um estimulante, mesmo na ausência do diagnóstico de TDAH. Mas isto deve ser feito no contexto de um plano abrangente, multimodal, que inclua tudo, desde mudanças nutricionais e exercícios até terapia de reposição hormonal. Quanto àquelas problemáticas mudanças sexuais, ajudar seu companheiro a entender que elas são normais já é um bom ponto de início.

sábado, 21 de julho de 2012

223- Não à violação dos direitos dos portadores de TDAH e Dislexia


Comunidade Aprender Criança – Dr. Marco Antônio Arruda

A criança e o adolescente gozam de todos os direitos fundamentais inerentes à pessoa humana, entre eles o direito à Saúde Mental, a fim de lhes facultar o desenvolvimento integral em todas as dimensões, física, mental, espiritual e social, em condições de liberdade e de dignidade 1,2.
A despeito da lei, a violação dos direitos da criança é ainda nos dias de hoje praticada de forma sistemática, sem distinção de credo, raça ou classe social, tendo frequentemente como agente exatamente os indivíduos aos quais é dada a função de proteção do menor. Dessa forma, “juízes e sistema judicial, profissionais e agências de Saúde, indústria do entretenimento, mídia, políticos, igreja e mesmo pais ao redor de todo o mundo comumente estão implicados na prática de inumeráveis formas de violência contra a criança, como punições físicas severas (incluindo execuções judiciais e extrajudiciais), adoções ilegais, abuso sexual (incluindo a pedofilia, pornografia e prostituição infantil), além do trabalho infantil e a inserção de crianças e adolescentes em conflitos armados” 3-6.

Tragicamente, na medida em que a violência aos direitos da criança e do adolescente se alastra, surgem novas formas de violação. Assim vemos o autodenominado FORUM SOBRE A MEDICALIZAÇÃO DA EDUCAÇÃO E DA SOCIEDADE, que viola de forma flagrante os direitos inalienáveis da criança à Saúde Mental através da propagação da desinformação e celebração do caos ao não reconhecer a existência do Transtorno do Déficit de Atenção/Hiperatividade (TDAH) e da Dislexia. Trata-se de uma postura de transparente motivação político ideológica, sem qualquer embasamento na Ciência, completo desconhecimento do método e das evidências científicas, além de absoluto desprezo a instituições como a Organização Mundial da Saúde, que relaciona esses transtornos, bem como seus critérios diagnósticos, no Código Internacional das Doenças (CID).
O reducionismo fica patente na medida em que afirmam que esses transtornos não existem já que não são diagnosticados laboratorialmente. Algo como desconhecer a existência, o impacto e o sofrimento provocado por doenças como Autismo, Depressão, Esquizofrenia, Alzheimer e tantas outras para as quais ainda não foram identificados marcadores biológicos, presentes em todos os pacientes, que viabilizariam um diagnóstico laboratorial.

Evidências científicas advindas de uma extensa literatura dão sustentação à natureza neurobiológica do TDAH, bem como sua validade clínica 7. Desde a primeira publicação registrada na biblioteca nacional de Medicina do Instituto Nacional de Saúde dos Estados Unidos (PubMed) em 1966 até os dias de hoje são mais de 18 mil artigos científicos publicados sobre esse transtorno, 1768 ensaios clínicos, 133 metanálises e 29 guias de práticas clínicas (http://www.ncbi.nlm.nih.gov/pubmed). Avaliando essa vasta literatura, a Associação Médica Americana, através do seu conselho para assuntos científicos, declarou em 1998 que “o TDAH é um dos transtornos mais bem estudados e cuja validade clínica é superior a muitas outras condições médicas diagnósticas”.
Orquestrado por órgão de representação de classe e por indivíduos acometidos por delírios de vocação messiânica, o referido FORUM infringe direitos constitucionais dos portadores de TDAH e Dislexia, sejam crianças, adolescentes ou adultos. De que forma? Ao propagar a desinformação retarda as oportunidades de diagnóstico e tratamento, induz pais e portadores à interrupção de intervenções medicamentosas e não medicamentosas e aniquila qualquer possibilidade de suporte acadêmico ou promoção social dos portadores resultando em consequências trágicas provocadas pelos transtornos e bem documentadas na literatura. Perdem-se, portanto, as oportunidades de controle dos sintomas e do impacto provocado por eles.

Se o direito é universal, infelizmente o acesso ao conhecimento científico não é, nem a habilidade de compadecermos com o sofrimento alheio, seja de portadores, seja de seus familiares.
Em nosso país grande parte das crianças vive em condições de pobreza e susceptíveis a numerosos fatores de risco para a Saúde Mental e desempenho escolar, como apontou o Projeto Atenção Brasil 8. A extrapolação das taxas de prevalência de transtornos mentais (12,3%) 8 e TDAH (5.1%) 9, reveladas pelo estudo, aponta, respectivamente, para 8,3 e 3,3 milhões de crianças e adolescentes brasileiros em condições de risco. Em contrapartida, apenas 13% das crianças e adolescentes portadores de TDAH encontram-se em tratamento 10.

As causas devem ser analisadas e intervenções de várias ordens, médicas e sociais, precisam ser adotadas com a ajuda da Ciência, nunca à sua revelia ou entorpecidas por motivações político-ideológicas.

Nessa edição do Notícias do Cérebro tornamos pública nossa indignação e chamamos todos para juntar-se a nós no combate à violação dos direitos da criança à Saúde Mental. Leia a Carta de Esclarecimento à Sociedade sobre o TDAH, seu diagnóstico e tratamento com chancela de 29 associações e grupos de pesquisa, e assine a petição de apoio à mesma no http://www.peticao24.com/peticao_online_sobre_o_manifesto_de_esclarecimento_sobre_o_tdah

Não deixe de ler também o artigo do Dr. Paulo Mattos e da Dra. Vera Joffe.
Até mais!

Marco Antônio Arruda
Diretor do Instituto Glia e Comunidade Aprender Criança

Referências
1. United Nations Children’s Fund. Convention on the rights of the child. New York: United Nations Children’s Fund, 2002.
2. Presidência da República CC, Subchefia para Assuntos Jurídicos. Estatuto da Criança e do Adolescente [online] 1990; LEI Nº 8.069, DE 13 DE JULHO DE 1990. Available at: www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/L8069.htm
3. Berganza CE. Children’s right to mental health. How adults have failed youth worldwide: the Latin America case. World Psychiatry 2005; 4 (3): 158-159.
4. Duarte C, Hoven C, Berganza C et al. Child mental health in Latin America: present and future epidemiological research. Int J Psychiatry Med 2003;33:203-22.
5. Giel R, de Arango MV, Climent CE et al. Childhood mental disorders in primary health care: results of observations in four developing countries. Pediatrics 1981;68: 677-83.
6. Rohde LA, Celia S, Berganza C. Systems of care in South America. In: Remschmidt H, Belfer ML, Goodyer I (eds). Facilitating pathways: care, treatment and prevention in child and adolescent mental health. Berlin: Springer, 2004:42-51.

7. Pliszka S. Practice parameter for the assessment and treatment of children and adolescents with attention-deficit/hyperactivity disorder. J Am Acad Child Adolesc Psychiatry 2007;46:894-921.Arruda, M. (2010). Projeto Atenção Brasil Retrieved June 29th., 2012, from www.aprendercrianca.com.br/aprender-crianca-2010-dp17 .
8. Arruda MA, Almeida M, Bigal ME, Polanczyk GV, Moura-Ribeiro MV, Golfeto JH. Projeto Atenção Brasil: Saúde Mental e desempenho escolar em crianças e adolescentes brasileiros. Análise dos resultados e recomendações para o educador com base em evidências científicas. Ed. Instituto Glia, Ribeirão Preto, SP, 2010.
9. Arruda MA, Querido CN, Bigal ME, Polanczyk GV. ADHD and Mental Health Status in Brazilian School-Age Children. J Atten Disord. 2012 Jun 4. [Epub ahead of print].
10. Arruda MA, Moura-Ribeiro MV, Golfeto JH, Bigal ME, Polanczyk GV. Are Psychostimulants Overprescribed in Brazilian school-aged children? Are Psychostimulants Overprescribed in Brazilian school-aged children? (2011). Paper presented at the World Congress on ADHD, Berlin.

 O tratamento do autismo se distancia do “conserto” da condição Existem diferentes maneiras de ser feliz e funcionar bem, mesmo que seu cér...