Embora a pesquisa sobre o cérebro não forneça todas
as respostas para nossos problemas educacionais, quando ela é bem fundamentada
e correlacionada com estratégias e intervenções consistentes com interpretações
de conhecedores do assunto da pesquisa, um entendimento básico de neurociências
pode dar aos educadores o embasamento para tomar decisões esclarecidas sobre
produtos/currículo que alegam ser focados no cérebro.
Talvez o mais importante é que educadores com esse
embasamento possam compreender por que as suas melhores estratégias funcionam e
como aplicá-las a diferentes unidades de instrução e como se adequarem aos
pontos fortes de educandos individuais. Assim, elas poderão ter mais
conhecimento e motivar seus alunos a compartilhar esse conhecimento de como sua
própria ferramenta mais importante pode ser otimizada através de seus próprios
esforços.
Depois de praticar a medicina como neurologista de
adultos e crianças por 15 anos, no início dos anos 90, eu fiquei angustiada
pela epidemia de encaminhamentos que eu estava recebendo para avaliar crianças
para TDAH, TOC, epilepsia tipo petit mal, síndrome da oposição e
desafio, bem como outros transtornos do comportamento e da atenção. A
percentagem dessas crianças que apresentavam de fato as condições pelas quais
foram encaminhadas não mudava.
Uma vez que os professores é que originaram os
encaminhamentos, comecei a observar as turmas, conversar com educadores e ler a
respeito do impacto dos testes padronizados sobre o tipo de ensino que estava
sendo ministrado nas classes. Descobri que a pressão para ensinar visando o
teste era tão intensa que estava embutida num currículo rígido com
predominância de exercícios repetitivos e um mínimo de atividades motivadoras
centradas nos alunos.
Minha base em neurociências tornou-se a lente pela
qual eu podia avaliar a qualidade e potenciais aplicações da nova ciência da
aprendizagem. Nos últimos 10 anos como professora, tenho avaliado a pesquisa em
neurociência e ciência cognitiva conforme é aplicada a minhas próprias turmas,
e, posteriormente, a problemas comuns a muitos professores. Durante esse
período, comecei a escrever livros e artigos e a fazer apresentações/oficinas
de desenvolvimento profissional em âmbito nacional e internacional sobre a
utilização das pesquisas sobre o cérebro como uma ponte para estratégias de
ensino “neuro-lógicas”.
Mente, Cérebro e Educação
A união da mente, cérebro e aprendizagem com a
pesquisa de laboratório e cognitiva limita-se a sugerir estratégias baseadas no
que eu denomino previsões neuro-lógicas. Ao dizer “neuro-lógicas”, eu me refiro
a estratégias sugeridas ou apoiadas pela pesquisa e que estão de acordo com
minha base em neurociências e a experiência em sala de aula, tanto minha quanto
a de outros. Eu considero que uma estratégia é neuro-lógica quando se
correlaciona com os dados acumulados sobre como o cérebro parece
processar uma entrada [input] sensorial em aprendizado.
Embora aquilo que vemos em estudos de imagem do
cérebro ou outras pesquisas em laboratório não possa prever o que uma estratégia
ou intervenção irá significar para alunos individuais, as informações podem
orientar o planejamento didático. Caberá cada vez mais a educadores
profissionais com conhecimentos básicos sobre o cérebro usar as deduções da
pesquisa científica para nortear as estratégias, o currículo e as intervenções
que selecionarem para metas específicas e alunos individuais.
Alunos atentos
Como muitas das crianças encaminhadas para o meu
consultório foram enviadas para avaliação de problemas de atenção, eu comecei
por averiguar as pesquisas referentes a isso. Todo aprendizado vem através dos
sentidos e qualquer informação sensorial que chega é a resposta inconsciente
dos filtros em nosso primitivo cérebro inferior, o qual é essencialmente o
mesmo de outros mamíferos. Os animais precisam que o sistema de filtros dê
atenção prioritária a sinais de perigo e prazer em potencial (a visão de
uma presa em potencial ou o cheiro de um parceiro de acasalamento em
potencial). Os seres humanos têm este mesmo sistema cerebral primitivo de
recepção de informação. Em nível inconsciente, reflexivo, nossos cérebros são
programados para dar prioridade de entrada (prestar atenção) a mudança e
novidade, especialmente sinais ligados a perigo ou prazer.
O primeiro filtro que determina a entrada no
cérebro de nova informação sensorial é o sistema ativador reticular (SAR) nos
seres humanos e outros mamíferos. O SAR admite menos de 1% das
informações sensoriais disponíveis para ele a cada segundo. A prioridade para
sobrevivência é dada à mudança e à novidade no ambiente que esteja associada
com ameaça ou evoque curiosidade.
Basicamente, os alunos que se acreditava não
estarem prestando atenção, estavam prestando atenção em alguma coisa, só que
não naquilo que o professor oferecia como entrada sensorial. Isso me levou a
experimentar, e depois recomendar, que os professores, antes de mais nada,
criem e mantenham ambientes seguros e empáticos na classe. Então eles podem
usar lições que promovam a curiosidade, que têm maior probabilidade de promover
a entrada sensorial da lição aos cérebros dos seus alunos. Exemplos de novidade
que aguçam a curiosidade e atenção incluem usar um item incomum de vestuário,
colocar algo diferente na parede, tocar uma música quando os alunos entrarem,
mudar a disposição da mobília na sala de aula, ou até mesmo fazer uma pausa
carregada de suspense durante uma explanação – porque o silêncio muitas vezes é
a novidade em uma sala de aula.
Depois de alguns anos, percebi que meus alunos
estavam particularmente curiosos a respeito de seus cérebros. A princípio,
passei informações sobre como seus estados emocionais podem determinar a via
que uma nova informação percorre no cérebro. Nós discutimos que quando o
cérebro está muito estressado ou muito confuso e frustrado, ele entra no modo
sobrevivência e as informações serão enviadas para o cérebro inferior,
onde os comportamentos resultantes relacionam-se com a sobrevivência, tais como
luta/fuga/imobilização. Expliquei que a amígdala, uma parte do sistema límbico
emocional do cérebro, pode modificar isso quando o estresse é reduzido. O
objetivo era ficar no estado relaxado, alerta, para que a informação nova viaje
através da amígdala para o córtex pré-frontal cognitivo superior, onde pode ser
reconhecida e processada pelo pensamento ao invés de gerar uma reação.
Calmo e Focado para Memória Aprimorada
O cérebro produz ondas com frequências elétricas
variáveis, medidas em hertz (ciclos por segundo). Durante as frequências
elétricas de ondas cerebrais chamadas Teta, a frequência de 4 a 7 Hz
correlaciona-se com um estado de calma e períodos de consciência intensificada.
A frequência Teta pode ser vista durante devaneios com explosões de insight criativo
e meditação avançada. Resultados de pesquisas recentes com estudos de EEG
utilizando eletrodos implantados (em pacientes sob avaliação para remoção
cirúrgica de áreas gatilho de crises epilépticas) mostraram que no estágio
relaxado e alerta, quando as ondas teta são proeminentes no EEG, as memórias
são mais fortes (Rutishauser, Ross, Mamelak, & Schuman, 2010).
Uma das aulas que mais empolgavam os alunos era
aquela em que eles descobriam que seu humor e atenção concentrada determinam
qual informação é assimilada por seus cérebros reflexivos “pensantes”. Nós
revisamos a amígdala e eles lembraram que, se estão calmos e concentrados, suas
amígdalas tomarão a “decisão” de enviar a informação a seu cérebro pensante no
córtex pré-frontal. Expliquei sobre a pesquisa com EEG e que no estado atento
de alerta concentrado eles aprenderão mais do que ouvirem e lerem, e serão
capazes de ter controle mais consciencioso de suas emoções e criatividade.
Fizemos então atividades de atenção e eles
experimentaram a consciência intensificada quando intencionalmente focaram a
atenção em um som ou a visualização de alguma coisa que aprendem em história.
Depois disso, nós frequentemente fazíamos respiração de relaxamento antes de
começar testes ou lições desafiadoras, e os alunos descreviam seu humor mais
tranquilo e consciência mais alerta e sentiam que compreendiam e se lembravam
de mais coisas.
Uma menina da sétima série com TDAH que também
sofria de ansiedade antes dos testes disse: “Eu quero que o meu SAR deixe
entrar a informação que eu quero e que minha amígdala mantenha o que eu ouço na
aula fluindo para meu cérebro pensante. Funcionou na aula, então eu tentei
sozinha em casa. Funcionou. Eu fiz a tarefa mais rápido e até acertei os
problemas difíceis, porque eu não fiquei frustrada no minuto em que não
entendia alguma coisa. Eu só visualizei meu próprio cérebro abrindo o fluxo
para meu córtex pré-frontal e voltei ao problema difícil com uma atitude
melhor. Deu certo em casa e agora funciona nas provas.”
Ensinando aos alunos um Manual do Proprietário do
Cérebro
Descobri que quando os alunos sabem como seu
cérebro aprende, eles se motivam para agir. Principalmente quando os alunos
sentem que “não são inteligentes” e que nada do que façam possa mudar isso, a
constatação de que eles podem literalmente mudar o cérebro através de
estratégias de estudo e revisão é empoderadora. As crianças, assim como muitos
adultos, acham que a inteligência é determinada ao nascimento ou antes disso, e
nenhum esforço mudará seu nível de sucesso acadêmico.
Quando ensinei a meus alunos dos últimos anos do
ensino fundamental e posteriormente a meus alunos do ensino médio sobre as
modificações em seus cérebros que acontecem através da neuroplasticidade, eles
até “captaram” o propósito de revisões e tarefas para casa. Eu explico, mostro
a eles imagens do cérebro, e nós desenhamos diagramas sobre a construção de
conexões entre neurônios que crescem quando uma nova informação é aprendida, e
como mais dendritos crescem quando a informação é revisada. Suas reações são
maravilhosas. Um menino de 10 anos disse: “Eu não sabia que podia fazer meu
cérebro crescer. Agora eu sei sobre o crescimento dos dendritos quando eu
estudo e quando tenho uma boa noite de sono. Agora, quando eu penso em assistir
TV ou revisar minhas anotações, eu digo a mim mesmo que tenho o poder de fazer
crescer células cerebrais se eu fizer a revisão. Eu ainda prefiro ver TV, mas
faço a revisão porque quero que meu cérebro fique mais esperto. Já está dando
certo e é muito bom sentir isso.”
Eu uso analogias com esportes, sobre os alunos
desenvolverem maior habilidade quanto mais praticam um lance de basquete, e
analogias de dança para alunos que viram seu desempenho melhorar à medida que
ensaiam mais. Então fazemos ligações para explicar que seus cérebros respondem
da mesma forma quando praticam suas tabuadas ou relêem partes confusas de um
livro.
Meus alunos contaram a seus pais sobre "fazer
meu cérebro trabalhar do jeito que eu quero" e logo outros professores
estavam me pedindo as minhas aulas sobre. Escrevi uma versão para o ensino
médio das aulas sobre o Manual do Proprietário do Cérebro para educadores
fazerem modificações a seu critério e usarem para seus alunos, especialmente
aqueles com dificuldades de atenção ou deficiências de aprendizagem.
Quando fiz a faculdade de medicina e me tornei uma
neurologista, eu não sabia que um dia seria professora e escreveria sobre
estratégias de ensino baseadas nas pesquisas sobre o cérebro, mas uma vez que
comecei a fazer conexões entre minhas duas profissões, as ligações ficaram
evidentes. Quando vi como meus alunos reagiram e o interesse que desenvolveram
pela ciência do cérebro, fiquei muito feliz por poder passar um Manual do
Proprietário do Cérebro para outros educadores compartilharem com seus alunos.
Dra. Judy Willis, MD, Mestre em Educação
Neurologista e Professora do Ensino Médio, Santa
Barbara, Califórnia.
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