O
TDAH do adulto começa na infância?
Recentes
e interessantes dados sugerem outra coisa. O TDAH do adulto é tido
como a continuidade de um transtorno da infância até a idade
adulta, isto é, ele representa o mesmo transtorno que o TDAH das
crianças. Assim, seria de se esperar que, mesmo
quando o TDAH fosse diagnosticado na vida adulta, esses indivíduos
teriam as mesmas características dos que foram diagnosticados na
infância. De fato, o DSM-V requer evidência de TDAH na infância,
quando estipula que ao menos alguns dos sintomas estejam presentes
antes da idade de 12 anos.
Entretanto,
apesar do entendimento de que o TDAH do adulto seja um transtorno
neurobiológico que se inicia na infância, essa hipótese nunca foi
testada adequadamente por causa das limitações nas pesquisas nas
quais foram examinadas as características da infância de adultos com TDAH.
Em
um tipo de pesquisa, indivíduos diagnosticados com TDAH na infância
são
seguidos até a vida adulta. Nesse esquema, todos os que preenchessem
os
critérios para TDAH do adulto teriam sido diagnosticados muito
antes. Assim, não haveria nenhuma informação de como tinham sido
na infância os indivíduos diagnosticados com TDAH já na idade
adulta, ou em que extensão o TDAH do adulto representaria a
continuação de uma condição anterior.
Em
um segundo tipo de pesquisa, adultos com TDAH são identificados em
amostras da comunidade e comparados aos adultos da amostra, não
diagnosticados, em relação a características importantes da
infância. Entretanto a informação sobre características da
infância depende de avaliação retrospectiva que pode ser viciada e
incompleta. Por isso, dados acurados sobre como eram esses adultos
quando crianças também são, de algum modo, limitados.
Um
artigo recentemente publicado no American
Journal of Psychiatry
[Is adult ADHD a childhood-onset neurodevelopmental disorder?
Evidence from a four-decade longitudinal cohort study. Morritt, et
al., (2015). American
Journal of Psychiatry,
doi: 10.1176/appi. ajp2015.14101266]
resolve essas limitações ao seguir desde o nascimento um conjunto
de 1000 indivíduos durante um período de 4 décadas.
Os
participantes eram membros do Dunedin Multidisciplinary Health and
Development Study, uma investigação longitudinal da saúde e do
comportamento de todas as crianças nascidas em Dunedin, Nova
Zelândia, entre abril de 1972 e março de 1973. Esses indivíduos
foram avaliados múltiplas
vezes durante seu desenvolvimento, até mais recentemente, com a
idade de 38 anos, quando impressionantes 95% da amostra original
participaram. O pesquisador líder desse estudo é a Dra. Terrie
Moffitt, da Duke University. Ela e seus colegas lidaram
com uma verdadeiramente incrível quantidade de dados que podem
responder a um número de questões importantes, com dados de melhor
qualidade do que a dos previamente disponíveis.
Nessa
amostra, 61 indivíduos foram identificados com TDAH entre as idades
de 11 e 15 anos, correspondendo a mais ou menos 6% de todos os
indivíduos envolvidos no estudo. Quando os participantes completaram
38 anos de idade, o estado do diagnóstico do TDAH avaliado novamente
por meio de entrevistas psiquiátricas estruturadas, com os
entrevistadores “cegos” em relação ao diagnóstico prévio.
Trinta e um indivíduos – cerca de 3% dos participantes – foram
diagnosticados com TDAH dessa vez. Como o principal problema a ser
resolvido nesse estudo era determinar as características da infância
de adultos que atingiram os critérios de TDAH já adultos, a
presença de sintomas antes dos 12 anos não foi requerida. Se
isso fosse requerido, todos os que atingiram os critérios na vida
adulta teriam mostrado altos níveis de sintomas de TDAH como
crianças. Entretanto, todos os outros critérios exigidos pelo DSM-V
foram atingidos.
RESULTADOS
Se
o TDAH do adulto representa a continuidade do TDAH da infância,
então todos os 31 indivíduos identificados na idade adulta deveriam
vir dos 61 casos diagnosticados lá no início do estudo. Isso,
entretanto, não foi o que ocorreu. Em vez disso, somente 3 dos 31
indivíduos diagnosticados já na idade adulta tinham sido
diagnosticados lá no início, quando crianças. Assim,
aproximadamente 90% dos adultos que atingiram os critérios de
sintomas para o TDAH não atingiram os critérios de diagnóstico na
infância. Outro dado interessante foi o de que os casos de TDAH com
início na infância eram
em 80% masculinos, enquanto no grupo com diagnóstico já na vida
adulta eram 61% masculinos.
Como
esses grupos se comparavam durante a infância?
Análises
adicionais revelaram como esses dois grupos eram diferentes quando
crianças.
As
avaliações dos pais e dos professores coletadas nas idades de 5, 7,
9, 11 e 13 anos foram tratadas estatisticamente e tiradas as médias
para os dois grupos e para os membros da amostra que nunca foram
diagnosticados com TDAH. Os diagnosticados em torno dos 15 anos de
idade tinham substancialmente níveis mais elevados de sintomas de
TDAH na infância quando comparados aos indivíduos controle; os
diagnosticados já como adultos, entretanto, não. De fato, poucos
desses adultos tinham ao menos um sintoma taxado como definitivamente
presente por seus professores da escola fundamental.
Os
do grupo TDAH da infância também tinham taxas significativamente
mais altas de problemas de comportamento, depressão e ansiedade na
infância do que os indivíduos controle. Os do grupo TDAH adulto
diferiam dos controles somente nos problemas de comportamento na
infância, que eram modestamente mais altos.
Os
testes cognitivos durante a infância mostraram que o grupo TDAH da
infância tinha déficits cognitivos significantes quando crianças
em comparação aos controles. Seu QI era 10 pontos menor e eles
exibiam déficits significantes na aquisição da leitura. Em
contraste, os do grupo TDAH adulto não tinham nenhum déficit
cognitivo na infância.
Como
esses grupos se comparavam como adultos?
De
acordo com informantes que conheciam bem os participantes, ambos os
grupos de crianças TDAH e adultos TDAH mostraram altas taxas de
sintomas de TDAH em comparação aos controles. Assim, mesmo que
muitos indivíduos diagnosticados quando crianças já não mais
preenchiam os critérios de diagnóstico como adultos, eles
continuaram a mostrar altas taxas de sintomas.
Em
temos de funcionamento de saúde mental, nenhum grupo teve taxas
elevadas de mania, depressão ou transtorno de ansiedade como
adultos. Os do grupo TDAH adulto, entretanto, tiveram taxas
significativamente mais altas de problemas com drogas e álcool.
A
avaliação cognitiva na idade adulta continuou a descobrir que os
que tinham TDAH na infância tinham déficits em comparação aos
controles em muitas medidas neuropsicológicas, incluindo o QI. Os do
grupo TDAH adulto, em contraste, não mostraram nenhum déficit.
Mesmo assim, eles relataram um grande número de queixas cognitivas
subjetivas.
E
sobre indicadores importantes de funcionamento na idade adulta? Os do
grupo TDAH da infância tiveram menor probabilidade de obter grau
universitário, ganhavam salários menores e tiveram mais problemas
com dívidas e menos possibilidade de crédito financeiro do que os
controles. O nível geral de satisfação com a vida foi mais baixo e
eles foram mais prejudicados no todo. Os do grupo TDAH do adulto não
diferiam dos controles quanto á educação e aos rendimentos, mas
tinham os mesmos problemas de dívidas e crédito. Também relataram
níveis maiores de prejuízo geral e taxas mais baixas de satisfação
com a vida.
Finalmente,
houve evidência de diferenças genéticas entre os dois grupos. Os
que tinham TDAH da infância mostravam taxas mais altas de fatores de
risco para o TDAH do que os indivíduos de comparação, enquanto os
do grupo TDAH do adulto não apresentavam diferença.
RESUMO
E IMPLICAÇÕES
Os
resultados desse estudo longitudinal de quase quarenta anos lança
forte dúvida sobre a suposição de que o TDAH do adulto
representaria a continuidade do mesmo transtorno ao longo do
desenvolvimento. Embora os diagnosticados com TDAH na infância
continuem a ter dificuldades como adultos, muitos não preenchem mais
os critérios de diagnóstico para TDAH. Por outro lado, os
diagnosticados na vida adulta são um grupo muito diferente daqueles
diagnosticados na infância. Tão diferente, de fato, que parece
inverossímil que o TDAH da infância e o do adulto possam
representar o mesmo transtorno.
Aproximadamente
90% dos diagnosticados na idade adulta não tinham sido
diagnosticados anteriormente. Não havia nenhuma evidência, entre os
desse grupo, de sintomas substancialmente elevados de TDAH na
infância. Eles não mostraram os déficits cognitivos durante a
infância ou idade adulta, que caracterizam aqueles com TDAH da
infância, nem mostraram altas taxas de fatores genéticos de risco.
Entretanto,
isso não implica que adultos que apresentem um quadro de sintomas de
TDAH não necessitem de tratamento. Como grupo, eles relataram níveis
diminuídos de satisfação com a vida, problemas cognitivos na vida
diária e problemas com dívidas e crédito. Eles tendiam a acreditar
que perdiam tempo por causa da desorganização, que tinham
fracassado em atingir seu potencial e que estavam esgotando outras
pessoas. Problemas com álcool e drogas também foram elevados.
Assim, eles estavam sofrendo e necessitando de assistência.
Se
esses indivíduos adultos não têm o transtorno neurodegenerativo do
TDAH, o que eles têm? Não é provável que estivessem fingindo,
porque não haveria nenhum motivo para isso. Também não é provável
que seus sintomas de TDAH fossem mais bem explicados por outro
transtorno – que eles tivessem sido erroneamente diagnosticados com
TDAH – porque mais da metade não preenchiam critérios para nenhum
outro transtorno. Por causa das altas taxas de uso de substâncias
entre os desse grupo adulto, é tentador sugerir que isso poderia
explicar seus sintomas de TDAH, Infelizmente, não foi possível
esclarecer se o uso de substâncias levou aos sintomas de TDAH ou se
esses sintomas apareceram antes do uso de substâncias.
Uma
possibilidade interessante é que o TDAH do adulto é um transtorno
real, porém distinto do TDAH que surge na infância. Por causa das
semelhanças na apresentação dos sintomas, O TDAH nas crianças e
nos adultos pode ter sido, incorretamente, tido como um mesma
condição. Os autores notam que, ironicamente, ao exigir início na
infância e origem no desenvolvimento neurobiológico, o DSM-V deixa
esses resultados desencontrados fora do sistema de classificação.
Como resultado, obter o tratamento necessário pode ser mais difícil.
A
aceitação de que o TDAH da criança e do adulto seja um mesmo
transtorno pode também limitar a pesquisa da etiologia do TDAH do
adulto, já que um mesmo transtorno teria os mesmos fatores
etiológicos. Assim, nosso entendimento do TDAH do adulto seria
limitado, o que poderia também limitar a pesquisa de estratégias de
prevenção e tratamentos mais eficientes.
Se
esses achados forem apoiados por pesquisas subsequentes – a
replicação é sempre importante – seria necessária uma
importante mudança na maneira como o TDAH do adulto é conceituado,
assim como mudanças nos critérios atuais de diagnóstico do TDAH.
David Rabiner, Ph.D.
Research Professor
Dept. of Psychology & Neuroscience
Duke University
Durham, NC 27708
David Rabiner, Ph.D.
Research Professor
Dept. of Psychology & Neuroscience
Duke University
Durham, NC 27708