Pesquisadores brasileiros criam instrumento para rastrear autismo de forma rápida e barata
Teresa Santos (colaborou Dra. Ilana Polistchuck)
NOTIFICAÇÃO 6 de junho de 2018
Pesquisadores brasileiros desenvolveram uma ferramenta para rastrear autismo que pode ser utilizada em diferentes ambientes, inclusive na atenção primária. O instrumento, intitulado Observação Estruturada para Rastreamento de Autismo (OERA), pode ser aplicado em 15 minutos, por profissionais não especializados em autismo e tem baixo custo. A pesquisa de validação está publicada na edição de maio do Journal of Autism and Developmental Disorders[1]. A psicóloga Cristiane Silvestre de Paula, da Universidade Presbiteriana Mackenzie, e da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp), coordenou a pesquisa. Ela falou sobre o trabalho em entrevista ao Medscape.
Pesquisadores brasileiros desenvolveram uma ferramenta para rastrear autismo que pode ser utilizada em diferentes ambientes, inclusive na atenção primária. O instrumento, intitulado Observação Estruturada para Rastreamento de Autismo (OERA), pode ser aplicado em 15 minutos, por profissionais não especializados em autismo e tem baixo custo. A pesquisa de validação está publicada na edição de maio do Journal of Autism and Developmental Disorders[1]. A psicóloga Cristiane Silvestre de Paula, da Universidade Presbiteriana Mackenzie, e da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp), coordenou a pesquisa. Ela falou sobre o trabalho em entrevista ao Medscape.
Cristiane afirma que o diagnóstico do autismo exige dois tipos de avaliação: uma entrevista co5m os pais e uma observação estruturada da criança em situação clínica. O OERA se enquadra nesse segundo tipo.EÇÃO
Ferramenta é baseada na aplicação de jogos
Trata-se de um instrumento criado para medir marcadores comportamentais em crianças, entre três e 10 anos de idade, com transtorno do espectro autista[2]. A psicóloga explica que a ferramenta foi baseada na quinta edição do Manual Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais (DSM-5)[3], e testa basicamente dois aspectos: comunicação social e comportamentos restritivos e estereotipados.
Trata-se de um instrumento criado para medir marcadores comportamentais em crianças, entre três e 10 anos de idade, com transtorno do espectro autista[2]. A psicóloga explica que a ferramenta foi baseada na quinta edição do Manual Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais (DSM-5)[3], e testa basicamente dois aspectos: comunicação social e comportamentos restritivos e estereotipados.
A versão inicialmente elaborada pelos pesquisadores era composta de oito itens semiestruturados e 14 itens observacionais. Após o estudo de validação, a versão final ficou com os oito itens semiestruturados – (1) resposta ao nome, (2) iniciação da atenção compartilhada, (3) resposta de atenção compartilhada, (4) imaginação ('brincadeira simbólica'), (5) sorriso social, (6) nomeação de duas figuras, (7) compartilhamento de prazer na interação, (8) apontamento de objeto – e cinco itens observacionais – (9) ecolalia (repetição de palavras e frases faladas que ouve), (10) uso do corpo de outros para se comunicar, (11) apontar, (12) contato visual incomum e (13) expressões faciais direcionadas para os outros –, somando 13 itens no total.
O aplicador utiliza uma caixa lúdica para jogar com a criança. A atividade é filmada e depois avaliadores observam a gravação e pontuam. Os itens são dicotômicos, onde zero corresponde a um comportamento típico e um representa presença de sinal/sintoma de autismo. Uma pontuação igual ou maior que cinco é indicativa do transtorno do espectro autista, visto que esse ponto de corte foi o que apresentou maior sensibilidade (92,75%) e especificidade (90,91%) no estudo de validação.
OERA é capaz de diferenciar autismo de outras síndromes
A pesquisa de validação incluiu 99 crianças, sendo 76 com transtorno do espectro autista. Elas foram recrutadas em três clínicas especializadas da cidade de São Paulo. As outras 23 crianças não tinham autismo, porém 11 tinham deficiência intelectual e 12 tinham comportamento típico.
A pesquisa de validação incluiu 99 crianças, sendo 76 com transtorno do espectro autista. Elas foram recrutadas em três clínicas especializadas da cidade de São Paulo. As outras 23 crianças não tinham autismo, porém 11 tinham deficiência intelectual e 12 tinham comportamento típico.
Profissionais não especializados (estudantes de graduação, psicólogos e geneticistas) foram treinados para aplicar a ferramenta. O treinamento presencial durou seis horas e incluiu explicação dos conceitos do transtorno do espectro de autismo abordados no OERA, informação sobre o processo de avaliação, e como gerenciar o comportamento durante o teste. Atualmente, houve um aprimoramento e o treinamento tem sido oferecido com sucesso em três horas. A pontuação foi feita de forma independente por dois profissionais especialistas em autismo que assistiram aos testes filmados. Eles não tinham conhecimento inicial sobre o diagnóstico das crianças avaliadas. A ferramenta permitiu acertar o diagnóstico das crianças em mais de 90% dos casos e, segundo a pesquisadora, foi sensível para diferenciar o autismo de outras síndromes.
Mais barato e mais simples que o padrão-ouro
Atualmente, o padrão-ouro em termos de avaliação observacional é o Autism Diagnostic Observation Schedule (ADOS)[4]. Segundo Cristiane, ele ainda está em processo de validação no Brasil, porém é um instrumento caro e extenso.
Atualmente, o padrão-ouro em termos de avaliação observacional é o Autism Diagnostic Observation Schedule (ADOS)[4]. Segundo Cristiane, ele ainda está em processo de validação no Brasil, porém é um instrumento caro e extenso.
“A caixa lúdica utilizada no ADOS precisa ser importada (custa cerca de U$ 1,5 mil) e o treinamento também tem valor elevado (cerca de R$ 7 mil). Além disso, a avaliação demora entre 60 e 90 minutos e acaba não sendo factível para ser implementada no dia a dia da maioria dos serviços de atenção primária, sendo utilizada principalmente em pesquisas e em centros de referência. Nos demais lugares, utilizam-se mais ferramentas de rastreamento”, explica a especialista.
São três as principais ferramentas de rastreamento de autismo que também trabalham com crianças entre três e 10 anos de idade descritas na literatura: o Childhood Autism Rating Scale (CARS)[5], o Autism Mental Status Exam (AMSE)[6,7] e uma versão reduzida do ADOS[8,9]. Apenas o AMSE está validado no Brasil pelo grupo da UNICAMP[10]. Embora todas sejam ferramentas importantes, elas apresentam algumas limitações. Por exemplo, nenhuma fornece validade de constructo, tampouco traz evidências de invariância em populações com diferentes quocientes de inteligência (QI), sexo ou idade.
O OERA passou por validação de constructo, apresentando índices bons na análise fatorial confirmatória, e não apresentou função diferencial em termos de idade/sexo/QI. Quando comparado à ferramenta padrão-ouro (ADOS), o instrumento dos pesquisadores brasileiros é mais rápido, a aplicação dura 15 minutos, e mais barato (a caixa lúdica custa cerca de R$100).
Quando utilizar
As diretrizes internacionais e a Sociedade Brasileira de Pediatria orientam que durante uma entrevista pediátrica, ou quando a criança vai fazer uma vacina com 12, 18 meses de idade, já se deve começar a investigar se há alguma alteração no desenvolvimento. Além disso, o ideal, segundo a psicóloga, é que todo o profissional tenha formação adequada para perceber, pelo olhar da criança, que há algo de diferente nela.
As diretrizes internacionais e a Sociedade Brasileira de Pediatria orientam que durante uma entrevista pediátrica, ou quando a criança vai fazer uma vacina com 12, 18 meses de idade, já se deve começar a investigar se há alguma alteração no desenvolvimento. Além disso, o ideal, segundo a psicóloga, é que todo o profissional tenha formação adequada para perceber, pelo olhar da criança, que há algo de diferente nela.
“Nos casos de suspeita de alteração preconizamos que se utilizem os instrumentos de rastreamento disponíveis, tal como o OERA. Para fortalecer essa suspeita, importante complementar o OERA com instrumentos de rastreamento segundo entrevista com os pais, como o Autism Behavior Checklist (ABC) que está validado no Brasil[11]. Após a confirmação, o melhor é encaminhar a criança para uma equipe especializada”, esclarece a pesquisadora.
O atendimento especializado permitirá fazer a avaliação mais completa das potencialidades da criança e traçar um planejamento singular terapêutico.
O OERA pode ser aplicado, portanto, em casos suspeitos na atenção primária, por profissionais como pediatras e enfermeiros, com formação mínima na infância, após treinamento.
Ferramenta segue em aperfeiçoamento
Os pesquisadores vêm trabalhando no desenvolvimento do OERA há 10 anos. “Buscamos sempre desenvolver um material de alta sensibilidade, que seja acessível a toda a rede e com boa qualidade”, conta Cristiane.
Os pesquisadores vêm trabalhando no desenvolvimento do OERA há 10 anos. “Buscamos sempre desenvolver um material de alta sensibilidade, que seja acessível a toda a rede e com boa qualidade”, conta Cristiane.
Mas, a equipe segue aperfeiçoando o instrumento. Atualmente, está em andamento um estudo com três objetivos principais: 1) verificar se o profissional não especialista consegue fazer a pontuação; 2) investigar se o OERA pode ser aplicado em uma faixa etária ainda menor; e 3) checar se ele consegue detectar casos de autismo leve.
A questão da pontuação é importante, pois, segundo Cristiane, uma vez que o profissional não especialista seja capaz de pontuar as avaliações, haverá maior independência dos recursos de alta e média complexidade na avaliação inicial. Sobre a faixa etária, ela explica que embora o instrumento seja aplicável em crianças de três a 10 anos, a maioria dos participantes incluídos no estudo tinha cinco anos de idade.
“Vamos tentar agora com crianças a partir de dois anos de idade, pois quanto mais precoce é o diagnóstico, melhor”, destaca.
E, quanto à gravidade do transtorno, ela afirma que a maioria (cerca de 80%) das crianças com autismo analisadas no primeiro estudo tinha deficiência intelectual, representando casos mais graves.
“Assim, o objetivo nessa nova pesquisa é trabalhar a ferramenta em uma amostra na qual os casos leves sejam predominantes, a fim de identificar se ela consegue detectá-los: quanto mais leve o quadro, mais difícil é a detecção”, diz.
Referências
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Citar este artigo: Pesquisadores brasileiros criam instrumento para rastrear autismo de forma rápida e barata - Medscape - 6 de junho de 2018.