A escolha,
como autocontrole, exerce poder de veto sobre os impulsos.
Por
Michael Shermer
(Scientific American, August 2012, Skeptic pg. 73)
Recentemente,
em um restaurante, enfrentei muitas tentações: uma forte cerveja escura, um petisco
de escargot amanteigado, um bife marmorizado e uma torta de queijo. As redes
neurais do meu cérebro, que evoluíram para produzir a emoção da fome de
alimentos doces e gordurosos, que no meio ambiente dos nossos ancestrais eram
raros e energéticos, estavam disparando impulsos elétricos para que eu fizesse
aquelas escolhas. Competindo com elas, havia sinais de outras redes neurais que
evoluíram para me tornar cuidadoso a respeito de minha saúde futura, em
particular como eu vejo a imagem do meu corpo por uma questão de status entre
os homens e de atração em relação às mulheres, e em quanto eu me sentiria lerdo
depois de uma refeição rica, e, também, em quanto teria de me exercitar para
queimá-la. Acabei pedindo uma cerveja light, salmão e uma salada com vinagrete,
e dividi ao meio, com minha companhia, uma torta leve de chocolate.Estava eu livre para fazer essas escolhas? Segundo o neurocientista Sam Harris no seu novo livro Free Will (Livre Arbítrio) (Free Press, 2012), eu não estava. “Livre Arbítrio é uma ilusão”, escreve Harris. “Nossas escolhas simplesmente não são feitas por nós”. Cada etapa da cadeia de eventos acima é totalmente determinada por forças e condições que não são de minha escolha, desde as minhas preferências evoluídas do paladar até minhas preocupações aprendidas sobre status social, as vias causais foram estabelecidas por meus ancestrais e por meus pais, pela cultura e sociedade, grupos de colegas e amigos, mentores e professores, e a contingência histórica, indo até meu nascimento, e antes.
A neurociência apoia esta crença. O recém-falecido fisiologista Benjamim Libet observou, em registros de EEG (eletroencefalograma) de indivíduos engajados em tarefas que requeriam que apertassem um botão cada vez que sentissem vontade, que meio segundo antes que a decisão fosse conscientemente feita o córtex motor se tornava ativo. As pesquisas estenderam o tempo entre a ativação subcortical do cérebro e a consciência da decisão para um total de sete a dez segundos. Uma nova pesquisa encontrou atividade em uma pequena aglomeração de 256 neurônios que permitia aos cientistas prever com 80% de acerto qual seria a escolha do indivíduo antes que ele mesmo soubesse. Muito parecido com isso, logo antes que eu ficasse consciente da minha escolha do cardápio, parte do meu cérebro já havia feito a escolha. “Pensamentos e intenções emergem de causas que estão em segundo plano, ou das quais não temos consciência e sobre as quais não temos nenhum controle consciente”, conclui Harris. “Não temos a liberdade que pensamos ter”.
Muito verdadeiro. Mas, se definimos livre arbítrio como “o poder de fazer de outro jeito”, a escolha de vetar um impulso em relação a outro é “não livre arbítrio”. O não livre arbítrio é o poder de veto sobre inúmeros impulsos neurais que nos induzem a fazer algo de alguma maneira, de modo que a nossa decisão de fazer de outra maneira seja uma escolha real. Eu poderia ter escolhido o bife – e escolhi – mas me engajando em certas técnicas de autocontrole que me lembravam de outros impulsos competitivos, escolhi uma seleção em lugar da outra.
O apoio para esta hipótese pode ser encontrado em um estudo de 2007 no Journal of Neuroscience, feito pelos neurocientistas Marcel Brass e Patrick Haggard, que empregaram uma tarefa semelhante à usada por Libet, mas na qual os indivíduos podiam vetar sua decisão inicial de apertar o botão até o último momento. Os cientistas descobriram uma área específica do cérebro chamada córtex frontomedial dorsal esquerda que se tornava ativada durante esta inibição intencional de uma ação: “Nossos resultados sugerem que a rede neural do cérebro humano para a ação intencional inclui uma estrutura de controle para a inibição auto-induzida ou para a suspensão de ações intencionais”. Isto é não livre arbítrio.
Além disso, um sistema tem “graus de liberdade”, ou uma faixa de opções que podem resultar de sua complexidade e do número de variáveis que intervêm. Formigas têm poucos graus, ratos têm mais, chimpanzés muito mais ainda, humanos o mais que todos. Algumas pessoas – psicopatas, portadores de lesão cerebral, os gravemente deprimidos ou os dependentes químicos – têm menos graus do que outros, e a lei se ajusta para a sua diminuída capacidade de responsabilidade legal e moral.
Esses impulsos neurais que vetam, em um complexo sistema com muitos graus de liberdade, são parte do universo determinístico. Pensar a vontade como um componente da rede causal permite-nos recolocar a responsabilidade em seu lugar correto na sociedade civil.