Por que Neuroeducação?
Qui, 19 de Abril de 2012 01:36 Dr. Charles Limb
Grande parte do fascínio das Neurociências está em sua
capacidade de estudar os aspectos mais complexos do cérebro humano.
Como é possível contemplarmos imagens de beleza majestosa e
ouvirmos músicas que tocam nossa mais profunda emoção. Mais inconcebível ainda,
como podemos contemplar nossa existência e conceituar nossa própria
mortalidade? Certamente, o cérebro humano, uma massa de 100 bilhões de
neurônios, conversando uns com os outros via neurotransmissores e impulsos
elétricos, é um órgão maravilhoso e espantoso!
Apesar desse fascínio, por décadas os neurocientistas se
mantiveram nos níveis mais primários de funcionamento do cérebro, trabalhando
exaustivamente em experimentos para entender como determinadas moléculas e
células nervosas trabalham. Para complicar as coisas, grande parte dessa
inestimável pesquisa foi baseada não em cérebros humanos, mas em estruturas
nervosas de lesmas do mar, peixe-zebra e macacos Rhesus. A maioria dos avanços
científicos ao longo da história é resultado dessas pesquisas e as metodologias
nela utilizadas permanecem como pedras angulares de como a Ciência deve
prosseguir. No entanto, isso faz com que os neurocientistas procurem fugir de
questões de fundo cognitivo, artístico ou filosófico. Consequentemente, quando
eles se deparam com o conceito de Neuroeducação, a reação típica é de
perplexidade do quanto as Neurociências poderiam contribuir com a Educação.
Artistas têm sido comparados a neurocientistas que tentam
descobrir que combinações de cores, sons, palavras, sabores, texturas ou
padrões atraem mais o nosso cérebro. Ao invés de conduzir experimentos em um
laboratório, um artista usa seu meio de comunicação para uma audiência alvo
para expressar algo de significante. Da mesma forma, os educadores podem ser
comparados a neurocientistas no sentido de procurarem formas de melhor
estimular, informar e moldar a mente de seus estudantes, jovens ou não, no
laboratório que é a Escola. O objetivo implícito de toda Educação é transformar
o cérebro ampliando a base de conhecimentos e tornando mais eficaz o
funcionamento mental, um processo neural difuso conhecido como plasticidade que
afeta nosso cérebro de forma estrutural e funcional.
Isso é muito claro: quando aprendemos alguma coisa,
modificamos nosso cérebro do ponto de vista bioquímico, sináptico, anatômico e
hemodinâmico.
Professores, estudantes, artistas e cientistas assim
compartilham de um objeto comum de interesse - o cérebro. A partir dessa
perspectiva, então, a questão não é exatamente descobrir se neurocientistas e
educadores têm algo em comum, mas, ao invés disso, entender por que esses
profissionais permaneceram tão distantes uns dos outros todo esse tempo, até
começarem agora a trabalhar juntos.
Parece-me que educadores e cientistas são como carros
trafegando em lados opostos de uma rodovia, se preocupando apenas com os
obstáculos diretamente frontais, se esquecendo do canteiro central, ainda que
dividam a mesma rodovia. O fato é que a maioria dos neurocientistas nunca
ensinou crianças em uma sala de aula e grande parte dos professores não cogitam
realizar experimentos em laboratório. Mais do que isso é que um indivíduo não
precisa ser um professor qualificado para ser um bom cientista, nem conhecer a
fisiologia do cérebro para ser um bom professor.
O paradigma natural é que os professores devem trabalhar bem
com seus alunos e os cientistas trabalharem bem com os dados, e isso vem sendo
feito há séculos. No entanto, se esse paradigma for mantido por ambos os
grupos, eles continuarão trafegando em direções opostas a despeito de estarem
na mesma rodovia.
O que mudou então? Tecnologia! Vivemos em uma época de
disseminação rápida de informação atingindo um ritmo diferente de tudo o que
foi testemunhado até hoje. Esta explosão de informação virtual tem afetado
todos os aspectos da sociedade moderna, especialmente o compartilhamento da
informação científica e como o cérebro do estudante absorve novos
conhecimentos. Por isso também responde o surgimento de toda uma nova geração de métodos científicos
incluindo a Ressonância Magnética Funcional (RMF), Estimulação Magnética
Transcraniana (EMT) e Magnetoencefalografia (MEG) que permitem o acesso ao
funcionamento do cérebro humano em condições 'naturais' em um grau sem
precedentes.
Estas novas modalidades de estudar o cérebro nos encoraja a
fazer perguntas que não dizem respeito apenas aos níveis elementares da função,
mas também para as mais complexas funções cognitivas humanas.
Enquanto os processos cognitivos pertinentes à arte eram
primariamente de domínio dos filósofos, hoje nós podemos realmente examinar o
que o cérebro está fazendo, como ele executa tarefas, como resolve problemas de
matemática, como processa a leitura de um livro ou improvisa uma melodia.
Nós podemos ainda não ter o conhecimento suficiente para
interpretar os dados gerados pelas Neurociências, mas nós certamente temos um
melhor senso para qual direção devemos seguir.
Talvez ainda não tenha sido suficientemente enfatizadas quão
únicas são as oportunidades científicas para a área da Educação nos dias de
hoje: temos os métodos disponíveis para estudar a função neural durante as mais
variadas tarefas - como pensamos, aprendemos e ensinamos - de forma quantitativa semelhante à forma como
os cientistas estudam qualquer outro complexo processo neural.
Nós podemos hoje explicitamente estudar os processos
cerebrais que são mais relevantes à educação em um nível nunca antes imaginado.
Embora possa demorar cem anos para que possamos entender como o conhecimento
neurocientífico pode nos ajudar a ensinar álgebra para alunos do 9 º ano,
podemos, pelo menos, começar a nos dirigir por esse caminho. Tendo em vista às
importantes descobertas das Neurociências na última década, seria insensato não
fazê-lo. E quem poderá saber aonde chegarão nossos conhecimentos sobre o
cérebro daqui a vinte, cinquenta ou cem anos?
De todos os atributos humanos, a capacidade de elaborar
comportamentos não previamente programados está entre os mais fascinantes. A
cada dia nós executamos uma série de novos comportamentos não planejados. Esses
comportamentos podem ser bastante simples (como ter uma conversa improvisada
sobre o clima), ou extremamente elaborados (encontrar uma solução para um
problema de longo prazo).
Em muitos aspectos, a criatividade é a chave para a
humanidade, é a forma como inovamos, avançamos e crescemos. Se não fosse o
espírito criativo seria difícil acreditar que os seres humanos criariam a roda
ou as várias formas de gerar e aproveitar a eletricidade. É a criatividade que
nos permite resolver problemas e descobrir novas soluções para melhorar velhas
soluções. É facilmente perceptível que existem múltiplas formas de criatividade
e que cada uma precisa ser estudada de uma maneira diferente se quisermos
entendê-las. No entanto, eu penso que os professores não ensinam seus alunos
para que eles simplesmente regurgitem os conhecimentos de volta. Da mesma forma
que não ensinam modos de pensar para que sejam memorizados pelos seus alunos. A
esperança implícita e o objetivo de toda educação é permitir que os alunos
sejam capazes de interiorizar e lidar com a informação, recombinando-a de
diversas e inovadoras formas habilitando-os a resolver problemas de forma
independente. É assim que inovamos e melhoramos a condição humana, é isso que
implica ensinar uma criança.
Por várias razões eu passei a me interessar pelos processos
neurais envolvidos em comportamentos criativos. Eu escolhi utilizar a
improvisação musical como uma forma de estudar os processos neurais que
envolvem a criatividade, mas espero estar estudando ao mesmo tempo algo maior
do que a música, algo para entender como o cérebro capta o que precisa e faz
algo diferente, inesperado e maravilhoso.
Através da Neuroeducação, espero que possamos aprender um
dia como os cérebros são educados e a maneira mais eficaz para facilitar estes
processos. Eu percebo, entretanto, que os cientistas vão continuar a descobrir
mais e mais informações e os professores continuarão a fazer o melhor que podem
para os seus alunos. No entanto, através destes tipos de esforços, eu aposto
que estudantes no ano de 3010 receberão uma educação que, com a ajuda das
Neurociências, sofreu uma evolução radical.
© May 2010
The Johns Hopkins University New Horizons for Learning.
Com a permissão do Dr. H. John Castellani do programa Novos
Horizontes para o Aprendizado da Universidade Johns Hopkins.
Dr. Charles Limb -
Professor Associado da Faculdade de Medicina da Universidade John Hopkins ;
Diretor de Pesquisa em Iniciativas em Neuroeducação da Escola de Educação da
Universidade Johns Hopkins - Baltimore, EUA